segunda-feira, 29 de julho de 2013

[0525] Em primeira mão, para os leitores de Pd'B: prefácio de Nuno Rebocho à próxima edição de "Manduna de João Tienne" de Pedro Gabriel Duarte

Um livro precioso, a “Manduna de João Tienne”

Nuno Rebocho
Corria o ano de 1999 quando Pedro Gabriel Duarte publicou o seu romance “Manduna de João Tienne”, anunciado como o primeiro de uma antologia. Nascido na cidade da Praia, ilha de Santiago, Cabo Verde, a 24 de março de 1924 e residente durante mais de duas décadas na Guiné-Bissau com seu irmão, Abílio, um dos fundadores do PAIGC, Partido Africano para a Independência de Guiné-Bissau e Cabo Verde e da nacionalidade cabo-verdiana, também – ele mesmo – escritor e pintor, sofreu na pele as vicissitudes do seu apego nacionalista e de oposição ao colonialismo português: deportado, por castigo, em 1970, associou-se ao independentismo emergente. Pedro Duarte vinha, desde os anos 50, pontuando no domínio das letras, refletindo nos seus trabalhos os princípios do grupo acantonado em torno de uma conhecida revista portuguesa, “Vértice”, com base no movimento estudantil coimbrão, e que afinava pelos ideários do democratismo e do progresso.

Capa de edição anterior
Fresco bem arquitetado da sociedade cabo-verdiana das primeiras décadas do século vinte, “Manduna” esboça uma certa burguesia irredenta que conduziu o país até a independência: retrata o papel relevante que nele teve o clero católico cativado pela sedução do “eterno feminino” (são muitos os casos que o ilustram), as gentes do Mindelo e da ilha de Santiago que já disputavam a primazia no arquipélago, as raízes terra-tenentes do seu frágil poderio associadas com o comercismo dos principais centros urbanos, as dificuldades de algum campesinato dele dependente mas sempre presente nos laços morais e culturais.

Não espanta que, também por isso, o romance tivesse merecido e recolhido o aplauso de grande parte do remanescente da chamada geração claridosa, se bem que, herdeira dela. Claramente se distinguisse dos seus pressupostos estéticos fundamentais. Com efeito, “Manduna de João Tienne”, um livro poderoso, marcou uma época e foi, pelo menos durante largas décadas – a par dos textos de Baltazar Lopes da Silva. Manuel Lopes, João Lopes, de Teixeira de Sousa – uma das referências da literatura cabo-verdiana.

O aparecimento no firmamento desta literatura de novas gerações de escritores a pedir meças aos “antigos” – como sejam Ondina Ferreira, Eduarda Bettencourt, Germano Almeida, Joaquim Arena, Daniel Spínola, Arménio Vieira, Abraão Vicente, entre outros – é sinal de que o seu fôlego está longe de se esgotar. Todavia, há dificuldades de ganhar expressão o romance, talvez por falta de tradição, tirando embora alguns casos notáveis, como são exemplos o escritor de Djar Fogo, Henrique Teixeira de Sousa, e o próprio Pedro Duarte.

Poeta e contista, representado na “Antologia de Ficção Cabo-verdiana Contemporânea”, Pedro Gabriel Monteiro Duarte releva no romance, sendo autor de um notável livro que fica como ilustração das dificuldades deste género literário.

Foi por acaso que “descobri” o romance de Pedro Gabriel Duarte: foi um amigo cabo-verdiano, o filho do célebre B’leza, quem mo deu a conhecer. E logo me converti em apaixonado desta obra, que li de um fôlego. Mas cedo me apercebi que, por motivos que se prendem com a política deste pequeno-grande país mais do que por questões estritamente do foro literário, esse amor estava condenado a ser, triste e infelizmente, contrariado por alguma injusta razão filisteia em que são demasiado férteis os pequenos mundos.

Considero que este livro, além de tudo o que por si mesmo o justifica, deve ser relido e ser – com critério e fichas – objeto de estudo por quantos, na esteira de Manuel Ferreira e de Arnaldo França, se debruçam sobre a riquíssima cultura de Cabo Verde.

Nuno Rebocho

2 comentários:

  1. A rehaver. Um volume deste livro fazia parte da minha pequena biblioteca no exilio mas a mania de emprestar estragou tudo.
    Uma pessoa amiga, desejosa de ler "livros da terra" levou-me uns 6 ou 7 volumes que tiveram a mesma sorte - LIXO !!!
    Ê que o marido (advogado aposentado) resolveu fazer uma limpeza na biblioteca familiar por tràs da esposa (que o marcava de perto) e conseguiu o furo. Perdoei quando soube que, infelizmente, foi efeito do Alzheimer.

    ResponderEliminar
  2. Quando a nova edição sair, eu decerto saberei logo e terei todo o gosto de oferecer um ao cabo-verdiano mais francês de Tours. Atrás de tempos tempos vêm e o livro será reposto na prateleira da biblioteca do vice-cônsul - depois de lido, obviamente.

    Braça livresca,
    Djack

    ResponderEliminar

Torne este blogue mais vivo: coloque o seu comentário.