segunda-feira, 4 de novembro de 2013

[0612] Texto de Arsénio de Pina, do início deste ano, mas ainda actual

ADECHE! FALOU EM DESCONCENTRAÇÃO?
   
Arsénio de Pina
Não deve ter-me entendido, caro amigo. Falava de descentralização, a pensar na regionalização, dado que a desconcentração de departamentos e serviços públicos, existente entre nós, é uma modalidade travestida de descentralização, engendrada pelo centralismo, para ludibriar o pagode, dado esses serviços não conterem gente eleita pela população, mas nomeada pelo poder central. Refiro-me em artigos, bastas vezes, em primeiro lugar, à descentralização por a regionalização ser uma consequência dela. Nunca é demasiado falar numa, como noutra, por nos parecer ser uma boa estratégia para o país poder sair do marasmo em que se encontra. O Movimento para a Regionalização, Descentralização e Autonomia de Cabo Verde, com o apoio do grupo dinamizador de S. Vicente, de individualidades de outras ilhas e da diáspora, além do aval do Presidente da República e, tardio, do Primeiro-Ministro, quanto ao estudo da regionalização, não irá calar-se, nem desanimar com o silêncio do Governo que tarda em constituir, ou criar as condições para a formação de uma comissão pluridisciplinar e multissectorial para o estudo da regionalização. Só depois do seu estudo aprofundado e minucioso, que poderá, inclusive, contar com o apoio financeiro e técnico de alguns países amigos com experiência na matéria, é que se poderá concluir se convém, ou não ao país; convindo - como estamos convencidos -, proceder-se-ia à sua apresentação à Assembleia Nacional para discussão, adaptação da nossa constituição, criando-se legislação pertinente para a sua execução; muito provavelmente será ensaiada numa, ou duas ilhas, antes de alargada a todo o país. Obviamente que o seu estudo não demorará dias ou poucas semanas, razão por que todo o tempo perdido com a hesitação (tactica?) do Governo é prejudicial.

 A nossa constituição não é avessa à descentralização, nem mesmo, por este motivo, à regionalização. Só há que adaptá-la (revê-la) a essa melhoria. Talleyrand, esse monstro da política e jurista, que conseguiu passar incólume da Monarquia Absoluta à Revolução Francesa e República, ensinou, friamente, que não é de legalidade que se trata em situações desse tipo, até porque os preceitos constitucionais costumam ter a elasticidade suficiente para consagrarem o que a necessidade exige (o sublinhado é meu). Também Stuart Mill escreveu, há cerca de um século, que “a constituição não existe para benefício dos partidos nem dos governos, mas dos cidadãos” (sublinhado meu). Esperamos que as liberdades e benefícios que a constituição consigna não venham a ser minimizados ou destruídos, como muitas vezes acontece, pela sua própria regulamentação. Assistir-nos-ia, nessa eventualidade, como cidadãos de pleno direito, o direito a convocar a indignação contra a “apagada e vil tristeza” que se atravessou entre algumas ilhas e o futuro da nossa terra e a morosidade de medidas pertinentes visando a sua resolução.

A descentralização e a regionalização de poderes delegados pelo poder central seriam muito favoráveis ao país por permitir simplificar a administração do Estado, eliminar a burocracia e revitalizar o poder local; a sociedade civil e a opinião pública estariam também em condições de criar órgãos próprios e independentes do poder governamental, mas benéficos a este. Ajudaria, igualmente, pela valorização da experiência, honestidade e competência, nos concursos e eleições para certos cargos, a libertar de cargos públicos as clientelas partidárias e políticas incompetentes, parasitárias, oportunistas ou desonestas.

Não há dúvida de que somente na ousadia e na inovação, nas mudanças e reformas é que encontramos a verdadeira segurança e progresso.

O Movimento aceita todas as pessoas, independentemente das suas filiações partidárias, mas como cidadãos e não como militantes activos de partidos e suas quintas colunas, cidadãos amantes da sua terra e que a querem ver progredir ainda mais, poupando-a à acção nefasta de alguns que instalaram na nossa sociedade um estranho clima de impunidade que leva os detentores de cargos públicos a passarem por cidadãos acima de qualquer suspeita, indiferentes à crítica e como donos da verdade. Inclui-se e conta-se no Movimento com gente que partilha a aventura criadora, gente que não esquece as raízes – aí está o grosso da nossa diáspora -, gente de exigência ética e moral, gente solidária, gente que faz dos seus dias um alfabeto de esperança. Cremos e queremos ver beneficiar do direito inalienável de todos os cidadãos deverem usufruir de esclarecimentos, objectivamente, sobre os actos do Estado e de mais autoridades públicas, cabendo aos funcionários públicos e outros detentores do poder satisfazer esse direito dos cidadãos, como obrigação a cumprir com orgulho e satisfação.

Com essas convicções e boa-fé, esperamos que o Governo acene favoravelmente ao Movimento com a constituição da comissão de estudo que propusemos, há cerca de um ano, e não nos venha com evasivas ou alternativas pouco curiais, como, por exemplo, a noticiada pelo jornal nacional A Nação de “o PAICV, enquanto Partido do Governo, admite recorrer a um referendo nacional sobre a regionalização”. […] “O assunto encontra-se sobre a mesa há vários anos, sendo inúmeras as pressões para a sua adopção no país”. A nós parece-nos uma má via, e um meio enviesado, por os referendos se destinarem a matérias altamente controversas, intensamente discutidas e esclarecidas após mobilização, de forma séria, da sociedade em torno do debate – o que não é o que se passa entre nós relativamente à regionalização – funcionando como arma de último recurso, uma autêntica bomba atómica atirada, no nosso caso, sobre inocentes, isto é, sobre cidadãos ainda muito mal informados e esclarecidos.

Parede, Janeiro de 2013
Arsénio Fermino de Pina
                                                              

3 comentários:

  1. Agora que voltam a falar de delegados do governo para baralhar o debate sobre a Regionalização e Reformas este texto ganha de novo toda a sua actualidade.

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  2. Os textos do Dr. Arsénio não são teorias ou conversas de fim se semana. O patricio viveu capitulos que lhe serviram.
    Penso que a sua vivência em lugares como a desértica Mauritânia lhe serviu como exemplo para o que nos publica amiùde e que podia bem ser aproveitado em cursos a futuros técnicos do nosso Pais. Tenho fé que um dia virà, brevemente, em que ele e mais alguns colegas darão càtedra

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  3. Arsénio, mais uma vez trazes a palavra lúcida e justa para alertar o povo sobre as artimanhas do poder. Segundo ouvi há poucos meses, havia uma comissão nomeada pelo governo para estudar e apresentar vias de solução para o problema da regionalização. Mas ao que parece o estudo, se o houve de facto, só serviu para sugerir a nomeação dos delegados do governo. Como diz o Arsénio, isso não é descentralização, é desconcentração, como qualquer pessoa minimamente informada não ignora, e importará sempre saber se mesmo para a desconcentração lograr-se-á algo que justifique e compense as largas somas de dinheiro que irão custar as estruturas a criar. Tudo isto é um autêntico disparate e um insulto à inteligência do povo esclarecido.

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