quarta-feira, 13 de novembro de 2013

[0619] Adeche! Governadores civis para quê?

Arsénio de Pina
A expressão adeche é uma interjeição de pasmo, de indignação ou reprovação, muito usada na região de Barlavento, sobretudo em S. Vicente, que herdámos dos judeus, segundo me esclareceu o amigo e patrício Aguinaldo Wahnon (Adosh = Oh Deus! Valha-me Deus!), judeus nossos antepassados do princípio da colonização e, mais tarde, provenientes de Marrocos, para onde tinham fugido para escapar à Inquisição em Portugal e Espanha, quando as condições de existência neste último país também se deterioraram. Utilizo-a ao ter conhecimento da decisão governamental de dotar cada ilha de um governador civil, num simulacro de reforma da Administração Pública, e presumo que também resultado do estudo de uma comissão criada pelo Governo para o estudo da descentralização, regionalização e reforma administrativa. Este estudo foi proposto, há cerca de dois anos, pelo Movimento para a Regionalização de Cabo Verde e divulgado pelo activo Grupo de Reflexão para a Regionalização de Cabo Verde de S. Vicente e outros livres-pensadores ilhéus que vêm esclarecendo a população, com visitas aos bairros e palestras, sobre a sua finalidade, e pressionando o governo para a constituição de uma comissão pluridisciplinar e intersectorial para o estudo, que não foi a que o Governo criou, que acaba de parir não, à semelhança da montanha, um rato, mas teve um aborto com a figura de governador civil.

A experiência de governadores civis, nomeados pelo Governo, já tinha sido tentada no tempo do governo do MpD, dependendo inteiramente do ministro de tutela, actuando os governadores como tentáculos do poder central, e passando a maior parte do tempo ao telefone a auscultar o poder central para resolver assuntos até de lana caprina.

Constata-se com esta medida - que o Governo actual tinha posto fim ao regressar ao poder alegando que era uma medida para tirar força ao autarca e para guitar, de perto, as ilhas - haver gente no poder central que recusa mexer no centralismo dito democrático e que se está nas tintas pela descentralização e regionalização do país. Quer é a desconcentração às pinguinhas, decidida a nível central sem nenhuma participação das pessoas directamente interessadas e afectadas, quando a descentralização e regionalização implicam participação dos cidadãos, das comunidades, na escolha dos seus representantes e participação na gestão da coisa pública, por serem elas que melhor conhecem os problemas locais e regionais e não quem está confortavelmente instalado na Praia, longe dos problemas e da realidade periféricos. Realmente uma seca essa do centralismo! Alapou-se ao Regime e está renitente a espraiar pelo país os poderes que retém ciosamente.

Não se atende ao facto da existência de um sentimento regionalista, particularmente em algumas ilhas do país que se sentem discriminadas em relação à Praia e Santiago. Isto porque o poder central tem desinvestido nas ilhas e canalizado os recursos para Praia, Santiago.

Obviamente que a regionalização não pode resumir-se a uma discussão entre partidos políticos e o governo. Será absolutamente necessário que todo o país esteja informado e consciente de tudo o que a regionalização envolve. Por isso é que o Movimento e o Grupo de Reflexão insistem na criação de uma comissão de estudo com as características descritas acima, as únicas entidades e alguns franco-atiradores ilhéus que têm dado um contributo válido para a discussão da matéria.

Há muito a fazer. Há que definir quais os órgãos do poder em cada região e as respectivas competências e atribuições, a forma como as regiões serão instituídas e o regime eleitoral das futuras regiões, o número de regiões e as suas limitações. Portanto, a institucionalização da descentralização/regionalização não é coisa que se faça do pé para a mão, sobre os joelhos, e nem pode ser decidido unicamente pelo Governo; levará o seu tempo, poderá ser implementada gradualmente quando se decidir pô-la em prática, e estamos desperdiçando tempo com medidas avulsas arbitrárias vinda de riba, sem discussão, impostas, sem a participação dos principais intervenientes, a população.

Estamos convencidos de que a regionalização do país criaria uma dinâmica de desenvolvimento, de políticas públicas eficientes, de participação efectiva da população e de acordo com as características e vocações de cada ilha e região. Somente a regionalização nos permitiria controlar as finanças públicas e fazer uma verdadeira reforma na administração pública.

Parede, Novembro de 2013
Arsénio Fermino de Pina


3 comentários:

  1. É isso mesmo e, de resto, o desaparecimento dessa figura do sistema admiistrativo em Portugal prova a sua absoluta inutilidade como elementos que eram, afinal, centralizadores e o exemplo federativo (USA, Brasil, etc...) não é, sequer, referenciável face à realidade de Cabo Verde...
    Saudações amigas.
    Zito

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  2. Artigo curto mas certeiro. Porque carga de água é que estão a propor governadores civis ou delegados do governo? Não percebo esta estratégia sobretudo quando cai do céu, num preciso momento de debate quente e em que o governo encomendou um estudo para se preparar para um debate público que anunciou sobre a Regionalização? E quais são as vantagens para uma ilha ter uma presença humana do governo depois de tantos anos de abandono, após este ter mesmo rejeitado a mesma experiência que podia ter sido aprofundada nos anos 2000? Agora é muito tarde para voltar atrás.
    O que é que isto vai contribuir para a descentralização e a desconcentração?

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  3. Está tudo dito aqui. Mesmo a política tem de usar de imaginação e criatividade nas soluções que propõe ao povo. Um expediente dilatório como esse dos "governadores" não me passaria sequer pela cabeça que pudesse ser desenterrado de onde foi enfiado por inútil e inconveniente. É caso para se pensar que nem para enganar o pagode deram trabalho às meninges. E, ainda por cima, depois da mobilização da opinião pública sobre o tema da regionalização, sempre seria de esperar que ao menos houvesse o mínimo de respeito pela inteligência alheia. Sim, porque se essa solução foi desarvorada por este mesmo governo, deviam ao menos saber que nem como engodo pode ser utilizado. Entra pelos olhos dentro que o mais recomendável é iniciar uma descentralização faseada e necessariamente sujeita à experimentação e validação. Não começar por aí prenuncia sem margem para mais dúvida que não está na agenda do governo uma ideia séria sobre a resposta a dar ao que vem sendo proposto - descentralizar e regionalizar.

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