Crónica de Fevereiro.2014
CONTRIBUTOS PARA O ESTUDO DAS RELAÇÕES CULTURAIS ENTRE CABO VERDE E O BRASIL (1/2)
Pode ler-se no carioca Jornal do Brasil de 18 de Janeiro de 1933 um texto de crítica literária demonstrativo do interesse que as coisas cabo-verdianas já despertavam na altura entre a intelectualidade e a imprensa daquele país latino-americano de expressão portuguesa – no caso, associado ao poeta das ilhas, José Lopes da Silva (1). Daí, a nossa crónica desta feita descer do Atlântico Norte ao Sul, em águas de igual gosto lusófono, sentido por irmãos brasileiros, cabo-verdianos e portugueses. Este é o primeiro de dois textos que escrevemos sobre o tema. O segundo figurará no próximo número deste jornal.
José Lopes da Silva, uma paixão pelo Brasil
José Lopes da Silva, c. 1933 |
A 3 de Novembro, Lopes da Silva surge-nos em A Noite (5), outro jornal do Rio, a propósito do livro "Hesperitanas", saído em Lisboa em edição da Livraria J. Rodrigues (6). Chamavam-lhe ali "notável poeta" diziam-no "festejado nos círculos da elite cultural brasileira" e consideravam-no "uma das mais pujantes cerebrações contemporâneas, sendo as suas obras difundidas em vários continentes". A notícia tem erros de impressão mas percebe-se que ali se fala em referências à mãe-pátria e em "hinos calorosos ao Brasil (7) com entusiasmo marcado em versos de doçura e espontaneidade indizíveis." Martinho Nobre de Melo retribuía agora as palavras produzidas pelo seu mestre no Mindelo, prefaciando as "Hesperitanas". Concluía o texto com a seguinte declaração: "Sua obra é de vulto e bem merece o alto conceito em que é tida no julgamento dos expoentes da literatura nas duas pátrias irmãs. 'Hesperitanas' está fazendo um grande sucesso pois os seus poemas instruem, encantam e deliciam."
José Lopes da Silva, c. 1934 |
Esperaremos até Janeiro de 1938 (10) para vermos o poema "Osmologia" (reflexos do poeta inglês Richard Lovelace (11) ) de José Lopes publicado no Jornal do Brasil. Mas no mês seguinte surge em A Noite a notícia da saída do seu ensaio sobre Getúlio Vargas (12). Ali se reafirmava a ligação do poeta cabo-verdiano ao Brasil: "O autor desse opúsculo, que exerce actualmente o cargo de vice-cônsul sempre se revelou sincero amigo do Brasil ao qual está ligado não só por laços espirituais mas também por liames de família pois tem filhos que são cidadãos brasileiros. José Lopes, que é oficial da Academia Francesa e comendador da Ordem de Instrução de Portugal, não perde uma só oportunidade para elogiar o nosso país, como fez, com brilho, nos versos do seu livro 'Hersperitanas'. Seu novo ensaio, agora editado, vem demonstrar mais uma vez a carinhosa atenção que dispensa a quanto se relacione com a vida e o destino do Brasil."
Francisco Lopes da Silva, uma morte imprevista
Francisco Lopes da Silva, c. 1947 |
Notas:
[1] José
Lopes da Silva (São Nicolau, 1872 – São Vicente, 1962). Entre outras
actividades profissionais que desenvolveu, foi professor primário na ilha da
Boavista e depois no Mindelo, de Latim, Português, Francês e Inglês no Liceu
Infante D. Henrique, antecessor do Liceu Gil Eanes.
[2] Um outro
discurso, feito durante o banquete de homenagem ao embaixador, este pelo Dr.
João Gomes da Fonseca, teve publicação em São Vicente (ed. Sociedade de
Tipografia e Publicidade), também em 1933. Existe, na Biblioteca Nacional de
Lisboa.
[3] O
cardinal é de difícil leitura, talvez 21 ou 24.
[4] O senador
Augusto Vera-Cruz representou os interesses de Cabo Verde no parlamento
lisboeta desde 1912 a 1926, quando a ditadura substituiu a I República em
Portugal.
[5] P. 2.
[6] Supomos
que se tratará da 2.ª edição da obra que teve 1.ª em 1929, pela mesma editora
lisboeta.
[7] Por
exemplo, o famoso poema "Ao Brasil", escrito anos antes, em 1919.
[8] P. 2.
[9] A ilha
situa-se no delta do rio Parnaíba, no estado do Maranhão.
[10]
30.01.1938, p. 7.
[11] Poeta
inglês do século XVII.
[12]
09.02.1938, p. 4. Getúlio Vargas (1882-1954) foi Presidente da República do
Brasil de 1930 a 1945 e de 1951 a 1954, tendo terminado o seu segundo mandato
por suicídio do político.
[13] P. 2.
[14] Ed. J.
Rodrigues e Ca., Lisboa, 1940. Existe na Biblioteca Nacional de Lisboa.
[15]
Posteriormente à saída deste artigo no Terra
Nova verificámos que Francisco Lopes da Silva publicou pelo menos outro
livro, "Recordações", Rio de Janeiro, Brasil, 1940, e um pequeno
opúsculo, "José Luís de Melo", Rio de Janeiro, Brasil, 1939. A
indicação foi-nos dada verbalmente por João Manuel Nobre de Oliveira e depois
confirmada no seu monumental livro "A Imprensa Cabo-Verdiana, 1820-1975",
ed. Fundação Macau, Direcção dos Serviços de Educação e Juventude, Macau, 1998. Outro livro seu, de igual interesse, sobre a genealogia das famílias cabo-verdianas, aguarda sponsor/financiamento para publicação.
[16] Ver várias
referências na imprensa brasileira desta data e de datas subsequentes próximas.
Simplesmente IMENSO !!!
ResponderEliminarVou mandar aos meus amigos do Brasil
Brigade
Os Lopes da Silva não deixam de ser uma grande família. Diria uma dinastia intelectual cujo expoente máximo foi Baltazar L da Silva
ResponderEliminarOutra vez o meu "avô" José Lopes...Que tão bem conheci, como o filho e como o neto...Tinha, na realidade, o Brasil no coração sonhador de poeta de eleição...
ResponderEliminarSoube-me bem "revê-lo" nesta crónica que se constitui como valioso documento sobre esta paixão transatlântica do cantor das Hespérides...Obrigado, Djack!
Meu nome é Marcos Lopes da Silva Miranda, moro no Brasil e recorro aos senhores de forma a obter ajuda para encontrar informações sobre ascendentes de meu bisavô, José Lopes da Silva, a saber, Francisco António Lopes da Silva e sua esposa, tais como local e data de nascimento.
EliminarAgradeço desde já
Marcos Lopes da Silva Miranda (marcos.ls.miranda@gmail.com)
E o Baltasar (e todos os da revista Claridade) continuou esta ligação afectivo-intelectual por assim dizer.
ResponderEliminarE que saiba foi o único dos membros da Claridade que visitou (pago do seu bolso) o Brasil. Em S. Paulo foi seu cicerrone o meu tio-avô Fileno Pires Ferreira que, nas palavras do Ti Baltas, conhecia a cidade como poucos. Outro parente meu, Francisco Vera-Cruz, que vivia no Rio, era quem lhe enviava do Brasil livros de autores brasileiros.
Factos poucos conhecidos que fiquei a saber pela boca do próprio.
João Nobre de Oliveira
De muito interesse, tudo isto. Li com imenso gosto.
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