Naise d'Monte Sossego, pescador da Praia d'Bote, natural de São Vicente, foi filmado pela nossa reportagem, no preciso momento em que ia beber uma Strela e lhe disseram que os seus nove filhos seriam em breve obrigados a aprender o alupec. Momentos depois teve um enfarte, pelo que agora se encontra em tratamento no Hospital Baptista de Sousa, do Mindelo. Leia os interessantes textos de Adriano Miranda Lima, em posts anteriores sobre a língua cabo-verdiana.
Perplexidade !!!!
ResponderEliminarEste surto de diarreia mental que nos devora, no principio parecia um malentendido chauvinismo á mistura com uma xenofobia revolucionària mas logo provocou uma indignação geral em todas as camadas, politizadas, politizadas ou não Tanto o operário como o intelectual se sentiram atingidos porque não consultados e colocados perante um facto (quase) consumado.
Afinal, as imagens cómicas para um artigo tão sério acabam por ser aceitáveis por traduzirem o estado de alma dos surpreendidos.
É mesmo isso, Val, um facto consumado. Mas, mesmo consumado, a nossa gente devia participar na discussão. Não precisam concordar com o Filinto e o Elísio, o importante é mostrarem que não são indiferentes a uma medida que vai mexer com a vida do país e do seu povo.
ResponderEliminarTUDO ISTO PODIA TER UMA ENORME PIADA SE NÃO FOSSE TÃO TRÁGICO!!!
ResponderEliminarUm debate sobre o que é ou não é a identidade nacional e sobre a instrumentalização deste conceito daria pano para mangas e exigiria um recurso a quadros teóricos e outras ferramentas analíticas que requereria uma dedicação de tempo considerável. Não me é possível debruçar-me sobre isso agora mas importa deixar claro que as identidades são sempre construídas, relacionais, compósitas, mutáveis, e isso não faz delas mais “subjectivas” ou menos “objectivas”.
ResponderEliminarA língua é um elemento identitário. Agora, a forma como esse e outros elementos são operacionalizados isso é outra história. Claro que esta questão do ALUPEC não é meramente linguística. A celeuma que tem causado revela precisamente isso. Mas o problema que se coloca não é pelo facto de esta ser uma questão política mas sim devido à manipulação política que lhe subjaz e que traz atrelada uma determinada concepção de cabo-verdianidade, de identidade, seja nacional, seja regional.
Devo dizer que discordo do Adriano no que diz respeito à forma como a língua portuguesa é geralmente encarada. Em certos contextos ou circunstâncias, a língua portuguesa desperta sim uma certa hostilidade, na medida em que é muitas vezes utilizada para vincar um certo estatuto, logo, para rebaixar os demais. Por outro lado, o domínio da língua portuguesa não é de todo generalizado. Isto pode parecer devaneio mas não é. E não são apenas os “excluídos”, que não foram à escola. Não. São os miúdos que andam na escola, são os professores que dão aulas a estes miúdos, são os licenciados, são os “jornalistas” que escrevem as notícias. Claro que não se pode generalizar porque há muitas e boas excepções de miúdos, de professores, de licenciados, de jornalistas. Mas este é o cenário global e ter medo de assumir isto só vai perpetuar o marasmo.
Um dia, ao ver uma menina de cerca de 10 anos a fazer os trabalhos de casa, juntei-me a ela. Leu-me um texto do seu livro de escola. Era uma excelente leitora. Leu o texto em português de forma quase irrepreensível. Quando lhe perguntei acerca do conteúdo do texto ela não foi capaz de dizer nada. Não tinha entendido a história que tinha acabado de ler. Isto é apenas um exemplo, entre outros, de como existe uma fachada que aguenta um prédio em ruínas.
Também me parece óbvio que quem conhecer bem a língua portuguesa beneficiará de um maior domínio do crioulo. Perceber a origem etimológica das palavras, por mais transformações que estas tenham sofrido (a par de uma aprendizagem de novo vocabulário), só ajuda a dominar melhor o crioulo. Isto sem falar da comunicação com outros falantes de português…
Entre luta de versões de uma identidade nacional, assimetrias regionais (que extravasam a dicotomia Santiago/S.Vicente), fantasmas do passado e alienações do presente, não deixa de ser curioso que a letra C não faça parte do ALUPEC... A letra com a qual se escreve Cabo Verde.
Carmo Daun e Lorena
Valioso contributo nos deixou aqui a Carmo. Oxalá apareçam mais do género, para alimentar o debate. Quando diz que discorda de mim no que diz respeito à forma como a língua portuguesa é encarada, percebo que quer dizer que tenho uma percepção optimista sobre a aceitação e o uso que o português merece no actual contexto social cabo-verdiano. Talvez seja. Admito que tenha havido um certo retrocesso em relação aos tempos em que a miudagem lia as revistas aos quadradinhos e percebia dum modo geral o seu conteúdo. Mas também é de perguntar se no pós-independência não houve o propósito de instilar nos espíritos um sentimento pouco favorável ao uso da língua portuguesa, associando-a ao colonizador. É uma pergunta que fica e não é descabida.
ResponderEliminarQuanto ao exemplo que citou da miúda que leu escorreitamente sem nada perceber, poderia contrapor com outros casos que não o conferem, presenciados por mim e acontecidos com crianças da minha família a viver em Cabo Verde.
Não deixo de registar o curioso paradoxo quando diz que “quem conhecer bem a língua portuguesa beneficiará de um maior domínio do crioulo”. Remete-nos ao ponto zero da discussão, mais uma razão para reiterar a minha convicção de que esta questão não pode ser resolvida pelo viés político mas sim numa perspectiva científica.
Apareça mais, amiga Carmo, que é um gosto tê-la como interveniente neste espaço. O Joaquim Saial agradece.
Caro Adriano,
ResponderEliminarJulgo que me interpretou mal. A discordância prendia-se apenas com a sensação exclusivamente positiva ou "afectiva" que a língua portuguesa pode suscitar. Queria dizer que provoca também o seu contrário, o que obviamente é produto de uma conjectura política (que em vez de ser sanada está a ser exacerbada para servir outros propósitos). Quanto à aceitação e ao uso que o português merece no actual contexto social cabo-verdiano julgo que partilhamos a mesma opinião. O problema é que há quem não pense assim e disso é prova o fraco domínio da língua portuguesa em vários contextos (com a formação a ser descurada continuamente) bem como a conotação negativa, leia-se, elitista, que se faz dela (precisamente porque não é a língua de todos, falada e entendida por todos, porventura porque não querem alguns...)
Não vejo paradoxo em dizer que o português é um contributo para o crioulo. Aliás, o crioulo deriva do português.
Carmo Daun e Lorena
Carmo, no fundo julgo que pensamos e dizemos a mesma coisa, tirando pequenas obliterações de linguagem. Afinal, a afectividade tem algo a ver com a receptividade, não é? Se eu não mostro abertura para conhecer algo, como poderei saber o tipo de sentimento que esse algo é capaz de me despertar?
ResponderEliminarQuanto ao paradoxo, é preciso ver que este pode ser “verídico” ou “falsídico”, conforme o resultado que produz, mas o conceito permite certa latitude, podendo significar antinomia. No caso em apreço, vejamos por que o disse. O propósito do Governo é domesticar o crioulo com uma gramática para a padronização e disciplinação de uma escrita, e também da expressão oral, no intuito de facilitar a aprendizagem do português e outras línguas estrangeiras, mas pensando que a todo o transe pode vir a dispensar a primeira. É o conceito do Governo. Ora, se temos de aperfeiçoar o português para dominar o crioulo (“conhecer bem a língua portuguesa beneficiará de um maior domínio do crioulo”), então estamos a inverter os termos da relação que, no entendimento do Governo, promoverá o progresso dos cabo-verdianos no domínio linguístico. Portanto, aprender bem o português para dominar o crioulo, além de soar um pouco a absurdo , é a mais perfeita negação dos propósitos do Governo, já que este defende exactamente o contrário. Sim, porque se eu aprendo bem o português para ascender a níveis superiores do conhecimento abstracto, que interesse haverá em “aprender bem” uma língua de um número limitado de pessoas?
Bem, Carmo, isto que o Governo pretende é um absurdo e é uma incógnita. A solução devia ser apostar valentemente no ensino da língua portuguesa e deixar o crioulo no espaço de liberdade em que ele respira como sabe e pode e até se recria. No mais, a questão tem um alcance estratégico que mais à frente será objecto do diálogo entre o Filinto e o Elísio, onde é bem vinda a sua presença. Em boa hora veio dar umas boas remadas no bote do nosso amigo Joaquim Saial.
Parabéns por este nível elevado deste debate. Está tudo dito aqui se dissesse mais não acrescentaria nada de novo
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