(ver duas anteriores ocorrências, em posts já lançados do Praia de Bote; clique na etiqueta Ocorrência, mesmo no final deste post)
Luís Filipe Morazzo |
Este é um desses raros casos, em que um navio após ter sido torpedeado e abandonado pela sua equipagem, depois de terem estado algumas horas nas baleeiras, e terem percebido que o navio continuou a flutuar, é mais tarde reocupado pelos seus tripulantes, tendo estes de seguida com muito estoicismo e coragem reparado provisoriamente as avarias e levado o navio a bom porto.
Pelas 23h00, do dia 31 de Dezembro, de 1940, vamos encontrar o petroleiro British Zeal de 8532 toneladas, construído em Glasgow, em 1937, propriedade da famosa empresa britânica, British Tanker Co. Ltd, Londres, após ter soltado amarras de Liverpool, a 16 Dezembro e ter tirado rumo a Freetown, a navegar isolado, depois de ter-se separado em 19 de Dezembro do comboio OB-260.
O British Zeal |
O U-65 tinha perseguido o navio-tanque por cerca de oito horas e lançado uma salva de dois torpedos, dos quais só um é que teve êxito. Um vigia do navio avistou um dos rastos dos torpedos, imediatamente alertou o timoneiro que colocou o leme cerrado a estibordo, manobra que evitou o impacto do primeiro torpedo, no entanto, não conseguiu evitar que o navio fosse atingido pelo segundo engenho.
A sorte deste navio começou logo a ser traçada, pelas péssimas condições de tempo que no momento do ataque reinava naquela área do Atlântico. Os alemães ao não poderem usar a peça de artilharia de 105mm, instalada no convés, com a precisão necessária para o efeito, não puderem fazer aquilo que tão bem costumavam fazer, dar o “coup de grace” na vítima, em que 98% destas ocasiões foram letais.
Os germânicos observaram atentamente como a tripulação abandonou o navio de uma maneira bem-disciplinada, embora com o mar cada vez mais agitado, deixaram a área sem questionar os sobreviventes, assumindo que o navio se iria afundar em breve. No entanto, a tripulação inglesa ao avistar o British Zeal ainda a flutuar na luz do por do sol, remou em direcção ao seu navio em mares cada vez mais bravios e reocuparam o petroleiro cerca do meio-dia de 1 de Janeiro de 1941.
Após uma vistoria cuidadosa ao estado do seu navio, os ingleses anotaram que três tanques tinham sido inundados devido a dois grandes buracos no lado de estibordo e o convés tinha sido rasgado pelas explosões da artilharia, porém a praça das máquinas foi encontrada intacta. A tripulação levantou a pressão do vapor e testou os motores e direção, de seguida abandonou o navio novamente passando a noite nas baleeiras, com receio que o U-boat ainda estivesse nas proximidades. Na madrugada do dia seguinte, a tripulação inglesa rapidamente reocupou uma vez mais o petroleiro e de seguida dirigiu-se para Freetown a 5 nós. Algumas horas mais tarde, em resposta a vários pedidos de auxílio lançados pelo British Zeal, não só, o contratorpedeiro HMS Encounter, mas também, o salvádego oceânico HMS Hudson responderam aos chamamentos, tendo mais tarde oferecido assistência e escolta até Freetown, onde todos chegaram a 8 de Janeiro. Em 16 de Julho de 1941, o sortudo British Zeal após ter sofrido consertos temporários, deixou Freetown em direção a Baltimore, onde iria sofrer reparos permanentes, chegando em 18 de Agosto. O navio retornou o serviço em Fevereiro de 1942.
Adjetivei de sortudo este petroleiro por várias razões, primeiro, porque este navio quando foi atacado, estava a navegar em lastro, caso contrário se estivesse em plena carga, as consequências teriam sido seguramente mais desastrosas, em segundo lugar, porque Hans Gerrit Von Stockhausen comandante do U-65, era já considerado à data deste ataque, um dos grandes ases dos terríveis U-Boats alemães, de tal modo era respeitado e considerado que no seguimento desta patrulha, foi promovido a comandante da 26ª flotilha em Pilau, tendo morrido ironicamente num estúpido acidente de viação, em Berlim, em 1943, e por último, as condições muito adversas do mar na altura do ataque, impediram que a tripulação do U-65 pudesse ter utilizado a terrível peça de 105mm, com a eficácia que normalmente patenteavam em condições semelhantes.
Importante mencionar que ao falarmos dos submarinos do tipo U-65, estamos a descrever o maior predador de navios que existiu durante a segunda guerra mundial. Foi devido à ação deste tipo de submarinos que o curso da guerra esteve indeciso até 1943 e quase foi invertido. Felizmente Hitler não deu ouvidos a Doenitz, comandante em chefe da sua arma submarina, quando este lhe pediu incessantemente que mandasse construir mais submarinos em vez dos grandes couraçados e cruzadores, que mais tarde veio a provar-se seriam alvos fáceis principalmente para a aviação inimiga.
O U-65 pertencia ao tipo (IXB), grupo constituído por 14 unidades, considerada a classe mais mortífera da segunda guerra mundial, com uma média de afundamentos estimada em mais de 100.000 toneladas. Podiam navegar à superfície a 18 nós, quando a maior parte dos vapores faziam 10 nós na melhor das hipóteses, tinham uma autonomia da ordem das 12.000 milhas náuticas, podiam transportar até 22 torpedos, 44 minas e cerca de 140 obuses para a sua peça de 105mm, o que lhes emprestava um poder de fogo terrível.
Muito interessante apontamento. Empolgante.
ResponderEliminarEste relato é realmente empolgante, Val. Leio sempre com muito interesse estes episódios da guerra no Atlântico. Que venham mais que isto é mesmo matéria preciosa para o Praia de Bote.
ResponderEliminar