Este é um post que me dá imenso prazer colocar no "Praia de Bote". Durante anos procurei, em vão, uma representação deste edifício na sua qualidade de sede da Capitania dos Portos. Até agora, juntei cerca de 650 imagens de postais ilustrados alusivos a São Vicente (nuns cento e tal casos, também imagem do verso) mas nunca me tinha surgido esta que agora aqui deixo, de cerca do ano de 1900.
Claro que sabia há décadas que ali tinha existido a dita instituição marítima, antes de passar para a nova Torre de Belém, nos anos 20 do século passado. Soubera-o através do pessoal, marinheiros, pilotos e polícias marítimos, nos anos 60 e confirmei-o em 1999, quando entrei na loja do rés-do-chão para pedir um escadote, a fim de subir à estátua do Diogo Afonso, para descobrir o nome do seu autor. Eis um excerto do texto que publiquei no "Artiletra" de Maio-Junho/2010 sobre a estátua:
Em Junho de 1999, voltei à ilha. Haviam-se passado mais de três décadas sobre a minha partida. E nas visitas que quase diariamente fiz à Praia de Bote e à Capitania, fui tendo vontade de descobrir a autoria daquela peça – segredo que até então não tinha conseguido desvendar em Portugal, embora por várias vezes já o tivesse tentado, em necessidades de vida académica e profissional. Primeiro, perguntei a amigos cabo-verdianos que, pela idade e conhecimentos sobre a ilha, poderiam elucidar-me. Em vão. Ninguém sabia quem fora o pai da escultura. Passei a acercar-me o mais possível dela, a horas diferentes, tentando com a ajuda da luz solar ver se encontrava a inscrição usual. Nada! Como o corpo do navegador repousa sobre um disco, também de bronze, imaginei que a assinatura do autor poderia estar virada ao céu. Era impossível trepar até lá sem ajuda, dadas as características do pedestal, liso e alto. Pensei então que só com a ajuda de uma escada ou de um escadote poderia atingir o local desejado. Numa loja do outro lado da rua, que entre outras coisas vendia literatura espírita, encontrei o almejado objecto. Simpatiquíssimo, o homem que mo emprestou procurou saber quem era aquele europeu que lhe vinha pedir um escadote para subir à estátua fronteira. Quando o esclareci, ele virou-se para mim e perguntou-me com um sorriso nos lábios: “Então o senhor é aquele miúdo que aqui entrava, dava um grito e saía outra vez a correr?” A frase avivou-me memórias esquecidas, agradeci a Diogo Afonso aquele reencontro e abracei o lojista, mais que emocionado, recordando as patifarias recorrentes dos tempos de garoto… E no sítio previsto, lá estava o nome do escultor, mais a data de feitura, essa de difícil legibilidade. Mas que se situará entre as balizas neste texto apontadas…
Depois do edificio e de outro que hoje é o "Boca de Tubarão", já a Vascónia |
Dizia ontem o Adriano Lima - num comentário seu ao aviso que lancei de que iria divulgar esta imagem - que julgava que a Torre de Belém fora sempre a sede da Capitania dos Portos. Pois, não. A torre foi construída entre 1918 e 1921 mas a parte de anexos (a zona baixa, onde morei, contígua ao plurim d'pêxe) só ficou concluída em 1937. Ora como a instituição se mudou em 1967 para o novo edifíco do Comando Naval, onde suponho que ainda se encontra, a Capitania dos Portos só esteve ali escassas décadas.
E antes de estar nestes dois edifícios já tivera poiso noutro que também ainda existe, embora talvez transformado, por detrás da águia/passaron. Deve ter sido esse local o inicial, pois o bloco de dois prédios, na sua versão inicial existe desde 1858 (e o decreto de criação do Mindelo é de 11 de Junho de 1938, apenas 20 anos antes). Era a casa de José Machado, primeiro presidente da edilidade são-vicentina que o vendeu logo depois ao Estado. Mas essa não é a história que nos interessa e rematamos com a do edifício cuja imagem descoberta se vê engalanada com bandeiras e símbolo marítimo ou nacional. Socorramo-nos do livro recentemente adquirido, "Linhas Gerais da História do Desenvolvimento Urbano do Mindelo", 1984:
Casa Santos e Vasconcelos - Casa onde funcionava a Capitania dos Portos antes da construção da imitação da Torre de Belém, bem como a escola de pilotagem, criada no início do século. Quando a Capitania foi transferida para o seu novo edifício (na década de 20), a casa foi comprada por Mateus Santos, cujo nome ainda figura no nome do estabelecimento aí instalado.
O prédio, apesar da sua função pública durante um período, era sempre particular. O terreno foi comprado pela companhia Wilson em 1900, da senhora Maria do Rosário Leitão Pereira. O edifício então já existia, porque foi considerado antigo no início do nosso século. [em documentação que agora não interessa para o caso]
E pronto, aqui fica todo este material, de borla e com muita satisfação por parte do "Praia de Bote" e do seu administrador...
Galinha (ô gól?) que ta esgrovêtà ta incontrà.
ResponderEliminarVem-me à ideia de ter ouvido da transferência da Capitania de um lugar qualquer para o novo edifício.
Para não pensarem que tenho a mania de saber (ou lembrar) tudo, explico o porquê. Simplesmente porque o meu padrinho de Registo Civil (mas que não foi de baptismo por estar separado da esposa) era Nhô Manuel Vicente (Manuel Vicente Rodrigues, secretário que foi da Capitania dos Portos de S.Vicente. Falou-se disso em casa e tudo ficou escondido até aparecer este "mnin mufine" que gosta de esgravatar.
Obrigado, Rapzim mufine (não buzode!) por forçar esta lembrança
Vendo-se o edificio, vê-se uma curiosidade: - Quem se lembra das meias-portas que existiam em quase todas as casas? Não havia perigo nenhum mas hoje as portas (as inteiras) têm de ter trancas de segurança.
EliminarOutros tempos outras malandrices !
Djack, mais um grande trabalho de pesquisa realizaste e, por sinal, em parte por culpa minha por ter colocado a dúvida (ou manifestado a ignorância) sobre a instalação original da Capitania dos Portos.
ResponderEliminarFoi há poucas horas que eu vi este post, mas quando eu ia comentar, não é que o Djosa de nha Bia veio, acompanhado do Totói Mãozinha, bater-me à porta? O homem, hóspede do Totói desde ontem, queria conhecer-me. Convidou-me para ir aos botequins de cá tomar uns drinks para festejar o acto eleitoral de ontem. Fiquei sem saber se vencera o partido dele ou não, mas sobre isso ele não se pronunciou. E assim foi. Entrámos num botequim logo ao virar da esquina e ele mandou vir de beber para os 3 convivas. Saímos e ele, que fica logo fusco logo ao primeiro copo, gritou: “Viva o MpD!”. E, pronto, fiquei logo a conhecer o partido dele. A seguir, entrámos noutro botequim, e repetiu-se a mesma cena. Mas, à saída, gritou, para nossa surpresa: “Viva o PAICV!” Fiquei baralhado e a coisa só não se repetiu com a UCID porque recebi entretanto um telefonema da minha mulher a dizer-me que tinha de ir buscar os netos para os levar a dar uma passeata. E o Djosa lá seguiu o seu caminho com o Totói, que se vai ver à rasca com ele porque o ex-futebolista do Mindelense não toca em álcool.
E agora, perante as pesquisas e as explicações do Djack, fico mais conhecedor da história da minha/nossa ilha. E ainda por cima tratando-se de um elemento para mim muito importante, por relacionar-se com um aspecto nuclear da actividade marítima de que a nossa ilha foi sempre um destacado protagonista.
Obrigado, Djack, e parabéns.
Consta nos meios cabo-verdianos de Almada que o Djosa de nha Bia partiu de Cabo Verde como clandestino no suporte da roda de um avião TAP e que na Portela apanhou boleia para Tomar. Claro que cinco horas depois ainda estava congelado e deve ter sido por isso que começou a emborcar copos atrás de copos em Tomar. Dizem também por aqui que ao acabar de enumerar os partidos de Cabo Verde com vivas a cada um passou a fazer o mesmo com os de Portugal e quando estes acabaram até à União Nacional os deu também. Parece que o Totói o largou e que agora o Djosa está sentado no jardim ao lado das estátuas do Fernando Lopes Graça e do Nini Ferreira e que não para de dar vivas aos partidos, agora até já os dá aos da Espanha, viva el PP, viva el PSOE, viva ele Podemos e por aí fora. Tu vê se pões mão nisto e o devolves a São Vicente que o homem só envergonha a ilha.
EliminarBraça corada,
Djack
Olha-se para as imagens antigas do Mindelo e a sensação é de limpeza, ordem e arrumação. Coisa que a mais actual fotografia desmente. Em verdade, salta à vista um ar de desmazelo e abandono frente ao edifício. Aquilo tem de levar uma valente mexida. E continuo a pensar que a estátua tem de sair do local porque a marginal tem locais mais condignos.
ResponderEliminarDjack, li com gosto o teu texto e dei uma gargalhada com a lembrança que o dono da loja ainda guarda do miúdo traquina. Passadas 3 décadas e ele ainda guardava no espírito a imagem do miúdo!
ResponderEliminarA verdade é que apesar de toda aquela paródia que eu fazia, ele nunca se queixou ao meu pai, talvez por timidez. Mas se o tivesse feito, sei que tinha apanhado uma valente sova, ahahahaha. Fiquei imensamente satisfeito por reencontrá-lo, foi uma grande alegria.
EliminarGrande trabalho de recolha...Faço-me eco das palavras do Adriano no que concerne ao local e imediações da estátua...Aquilo está na maior imundice!
ResponderEliminarViva Djack
ResponderEliminarGostei de ler e de ficar a saber mai ssobre a terra.
Só três curiosidades a mais. O Matedjim (Mateusinho) é avô do nosso amigo Rui Machado que talvez tenha algo sobre o prédio.
Antes então da conclusão das obras na Torre nela residiu o futuro contra-almirante Daniel Duarte Silva, pois, o filho do mesmo nome, Daniel, nasceu na Torre em Julho de 1935 (nada de admirar, na altura os partos eram feitos em casa, pelo que até pode não ser o único a ter nascido ali).
O actual proprietário do Boca de Tubarão, é o meu primo e homónimo João de Deus de Oliveira.
Dois antecessores do teu pai como capitão dos portos e ambos da marinha e ligados a Cabo Verde foram Carlos Schultz Xavier e o historiador Cristiano de Sena Barcelos e ambos foram presidentes da câmara municipal. Como exerceram aqueles cargos na década de noventa terão então trabalhado no edifíco que mostras.
João Nobre de Oliveira
Se os mindelenses fossem reconhecidos o Djack seria nomeado para futura cátedra da historia da Cidade do Mindelo. Helas.... Djack é um dos (poucos) que mais recolheu e sistematizou informações, ao detalhe e minúcia, pois indo ao pormenor, sobre esta que foi a um século a mais digna cidade de CV. Para isso é preciso investir tempo e dinheiro.
ResponderEliminarerrata
ResponderEliminar...foi há um século....
Apoio as palavras do José.
ResponderEliminarUma cátedra para o Dr. Joaquim Saial
Fugiu-me o ponto de exclamação, pelo que repito: Uma cátedra para o Dr. Joaquim Saial!
ResponderEliminarUm abraço para o João Manuel e os devidos agradecimentos pelo que juntou ao que eu escrevi, pois tornou o edifício mais vivo com as suas adendas. Quanto à sugestão dos outros amigos, não exageremos, ahahaha, mas pode ser que um dia ainda venha a fazer pelo menos uma palestra nalguma universidade do Mindelo. Se se despacharem com o convite, poderá ser a 11.ª ou 12.ª na ordem... universitária, claro.
ResponderEliminarBraça com borla e capelo,
Djack