Centenário de Manuel Ferreira
3 - Manuel Ferreira e Cabo Verde
João Serra |
O jovem furriel, como provavelmente a maioria dos milhares de companheiros desembarcados no barlavento cabo-verdiano, começou por estranhar a paisagem com que se deparou. Na evocação que fez na primeira edição de Morabeza (1957) relata o desconforto perante uma natureza agreste e os contrastes entre uma fragilização e degradação da vida humana e alguns artificialismos do ambiente urbano.
Manuel Ferreira e Orlanda Amarílis, anos 80 do séc. XX |
Quando os expedicionários portugueses aportaram ao Mindelo, a situação económica e social da cidade e da região atravessava uma crise de tripla origem: a alteração da tipologia de transporte marítimo e consequentemente das respectivas rotas com a substituição do carvão pelo petróleo; os efeitos das ameaças e bloqueios gerados pela batalha atlântica no quadro da Segunda Guerra Mundial; a persistência de períodos de seca, com o seu cortejo de impactes sobre a vida humana: doença, fome, migrações, morte.
Manuel Ferreira envolveu-se profundamente na vida local. Não foi certamente o único militar a fazê-lo, mas foi talvez dos que revelaram sensibilidade mais apurada para os dramas humanos que eclodiam no arquipélago e particularmente em São Vicente. Mas foi também dos que mais agudamente se aperceberam da extraordinária criatividade cultural cabo-verdianas, de que o Mindelo de alguma forma era na época um farol, com o seu liceu (os seus professores e os seus alunos), os seus escritores, os seus músicos/poetas, os seus intelectuais despertos para as questões da identidade, e com uma língua cuja riqueza se revelava muito superior ao que vulgarmente era admitido.
Em suma, Manuel Ferreira mergulhou num ambiente de uma vitalidade insuspeitada, matriculou-se no liceu, participou nas discussões e projectos dos estudantes do seu tempo, beneficiou do convívio com grandes professores e intelectuais, como Baltasar Lopes e Aurélio Gonçalves, descobriu a sua própria vocação literária, animou uma tentativa de intervenção cultural (a revista Certeza, de 1944). Enfim, conheceu uma jovem aluna do liceu, natural de Assomada, Santa Catarina, a futura escritora Orlanda Amarílis, com quem casou. O primeiro filho do casal, nascido em 1946, é cabo-verdiano.
Pessoa por quem nutro muita admiração talvés por ter aproveitado o seu tempo livre para conhecer o povo com quem ia viver e que lhe havia de dar elementos para enaltecer-se e enaltecer a literatura luso-tropica, além da sua Esposa e um filho.
ResponderEliminarO mínimo que a Municipalidade Mindelense pode fazer é conceder a Manuel Ferreira o titulo de Cidadão Honorário porque a nação não se lembrou ainda dessa homenagem póstuma e merecida.
Na minha qualidade de mindelense, agradeço ao Sr. Serra, pessoa que só agora, graças ao PdB, ouço falar
Bem hajam todos os cidadãos de boa vontade que se dedicam a pesquisas e a nos oferecer trechos desconhecidos ou esquecidos.
Caro Valdemar Pereira, Manuel Ferreira recebeu, ainda em vida, a homenagem merecida no Mindelo. Em 1991, ou seja no ano anteriorà sua morte, por ocasião da passagem do 50º aniversário da sua chegada a Cabo Verde, o município do Mindelo homenageou-o com o título de cidadão honorário. E em Julho de 1994, o Presidente da República de Cabo Verde agraciou-o, a título póstumo, com o 1º grau da ordem do Dragoeiro, em "reconhecimento pela sua relevante contribuição para o engrandecimento da nação cabo-verdiana, designadamente nos planos da investigação e da criação artístico-literária, e tendo em conta a sua elevada estatura de cidadão e intelectual".
ResponderEliminarNo caso de Manuel Ferreira, julgo que é o Estado português que está em falta. O município de Leiria atribuiu-lhe no passado dia 22 de Maio a medalha de ouro da cidade. Espero agora que o Governo português tenha uma atitude significativa para com a memória de Manuel Ferreira neste ano do centenário.
Caro João Serra,
EliminarAntes que o Valdemar se venha penitenciar do desconhecimento das homenagens recebidas pelo Manuel Ferreira em Cabo Verde, venho dizer-lhe que o Val (assim o tratamos em nominho) é um andarilho do mundo e já saltitou de Cabo Verde para o Senegal, daí para Madagáscar e da grande ilha para Tours, onde é o cabo-verdiano mais conhecido. Por isso, nem sempre lhe é possível estar a par do que vai acontecendo no lugar que mais estima, a cidade do Mindelo e, por arrastamento, Cabo Verde. Por azar dele, de uma das últimas vezes que foi à terra teve um problema de saúde que o confinou quase todo o tempo em casa. Daí...
Por fim, honra a Leiria que se soube comportar como lhe compete.
Segue mais um braça ao actual "desenterrador" de memórias e "criador" de homenagens ao escritor de "Hora di Bai", frase com que eu também quase acabei um romance.
Djack
Esqueci-me de dizer que as andanças do Val se fizeram por motivos diplomáticos (o que não é de desprezar).
EliminarMas ainda bem que o equívoco, justificado, tem um "final feliz". O inverso, o desconhecimento ou o esquecimento do papel de Manuel Ferreira, seria lamentável.
ResponderEliminarAdriano Lima, com o empenho e dedicação que se lhe reconhece, lembrou outra figura, contemporânea, de Manuel Ferreira em S. Vicente, o médico José Baptista de Sousa, que ficou conhecido e "imortalizado" como "engenheiro humano". José Baptista de Sousa não foi esquecido no Mindelo.
Excelente, excelente, toda esta evocação! Ressalta acima de tudo a dimensão do homem que foi Manuel Ferreira, pela forma espontânea e natural como se inseriu na sociedade mindelense, quase que se tornando um cidadão local. Ainda bem que Cabo Verde lhe prestou a homenagem que bem merecia.
ResponderEliminarComo tenho um projecto de livro sobre as tropas expedicionárias a Cabo Verde, que pretendo ampliar com biografias de dois oficiais e outros mais elementos, muito gostaria que o João Serra me fornecesse um texto sobre o escritor que retratasse a sua passagem por S. Vicente e contivesse dados biográficos. Reconheço agora a minha desatenção por não ter incluído no que escrevi uma referência a Manuel Ferreira.
Mea culpa, mea culpa, mea culpa !!!
ResponderEliminarQuero agradecer a João Serra pelos esclarecimentos que ouvi e nunca mais me lembrei dos factos que me chegam agora. Também um "merci" ao impagável amigo Djack pela douta defesa e o itinerário certinho. Com efeito estou fora de Soncente desde 1954 ano em sai para Dakar, depois Lyon, Tananarive e, finalmente Tours desde 1975 e onde vivo.
Braça de desculpas renovadas
Terei todo o gosto em colaborar no seu no seu projecto, caro Adriano Lima. Por e-mail, combinaremos os aspectos de pormenor, designadamente extensão de texto e datas.
ResponderEliminarUm abraço,