quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

[0160] "Meu falucho", soneto de Adriano Miranda Lima

Adriano Miranda Lima
O PRAIA DE BOTE que, como se sabe é um espaço cabo-verdiano assumido e reivindicativamente marítimo, fica mais que contente quando lhe oferecem petiscos como este que AML lhe enviou para publicação. O sentimento que fez com que o coronel-escritor-poeta tenha tido vontade de escrever o presente poema, teve-a o administrador do blogue quando viu o "Carvalho" jazer no cais acostável em 1999, como cão lazarento votado ao abandono. Será uma história, com contornos políticos nebulosos (ainda por cima britânicos), para contar noutra altura. Limitemo-nos, por enquanto, a ilustrar o "falucho" de Adriano Miranda Lima com a dramática foto de há 12 anos do palhabote que tantas vezes cruzou o Mar d'Canal.



Meu Falucho

Cavername é o que resta de ti, no rochedo a apodrecer,
Navio de outra era, nostálgico veleiro.
Há quanto tempo já as ondas te não embalam inteiro?
Em sonhos ainda te vejo a todo o pano, ao entardecer...

Mas tu também sonhas às vezes, eu sei...
Se o vento sopra de feição, não resistes ao incitamento
Das ondas, das toninhas e das estrelas do firmamento,
E retomas as rotas centenárias do mar da velha grei.

Ainda vives imanente nas pupilas dos meninos da beira-mar,
Herdeiros da genética memória das lides marinheiras,
Agora teus tripulantes no cavername das suas brincadeiras.

E continuas vivo nas histórias do povo insular,
Meu falucho, modesto barquinho de carga e passageiro.
Só eu sei quanto desejas voltar a um estaleiro.


Foto Joaquim Saial - "Carvalho", palhabote do armador Henrique Ferro (clique para ampliar)

3 comentários:

  1. Falucho, palhabote, veleiro, eram todos, os autocarros em permanente vai-vem na auto-estrada do canal, cordão umbilical Mindelo/Porto Novo, nostalgica memória de um tempo, que não foi fácil mas era bem mais simples...
    Zito Azevedo

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  2. Tantas vezes viajei neste barco... Nem calculas como dói ver esta foto. É como ver o cadáver carcomido de um ente querido. Preferimos recordá-los na sua pujança.
    Era dos veleiros. É bem o retrato de uma era que já passou.

    João Manuel

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  3. Caros Zito e João,

    A vida é mesmo assim... há sempre dinheiro para as coisas supérfluas mas raramente para a salvaguarda da memória. O affaire "Carvalho" foi de facto triste, vingançazinha britânica de que falarei no próximo post, talvez logo à noite ou amanhã, dependendo do tempo disponível. Mas não há dúvida de que este veleiro fez (e ainda faz) parte da nossa vida e das nossas memórias.

    Obrigado pelas vossas sempre bem-vindas participações.

    Braça
    Djack

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