De novo, a arte de Abílio Duarte, em imagem de pendor neo-realista que retrata a noite num botequim de Salina, próxima da nossa Praia de Bote. Ambiente de conversa e boémia, ao som da morna, o cacho de bananas de Santo Antão pendurado num canto, o homem que passa para o trabalho no porto (ou dele regressa) ou que se ocupa em algo que com a baía talvez se relacione e o seu cão escanzelado...
Interessante texto de Rolando Vera-Cruz Martins sobre Onésimo Silveira, figura respeitada entre os intelectuais das ilhas, pese embora alguma controvérsia de que é alvo devido às suas opções políticas. Mas isso obviamente não lhe retira lugar significativo e inegável entre as cabeças pensantes do arquipélago, (tanto entre as de ontem como junto das de hoje). E dois poemas dele, o primeiro dos quais merece que na cabeça do vate se coloque uma gloriosa coroa de louros, pelo título e pelo significado...
No meu primeiro comentário sobre este Boletim, referi o nome da pessoa que impulsionou a sua criação, o professor Antero Simões, delegado da Mocidade Portuguesa e razão que certamente explica a associação da publicação à Ala local da MP, em vez afirmar-se como uma espontânea criação literária do Liceu Gil Eanes. Mas penso qua ambas as condições se conjugaram. Tanto mais que, curiosamente, e tal como também afirmei, não se vê no Boletim sinais nítidos de uma linha censória, o que, a acontecer, teria colocado algum entrave a poemas como os do Onésimo, que põem o seu enfoque temático na miséria, na fome e no abandono. Quanto ao desenho do Abílio Duarte, um homem que era contra o regime e lutou pela independência da Guiné e de Cabo Verde, na altura deste Boletim já tido como tal, também essa circunstância poderia ter sido inibitória da publicação de trabalhos seus no Boletim. Mas não foi. É certo que o trabalho artístico aqui publicado foca sobremaneira o tipicismo humano-paisagístico do Mindelo, mas não é menos certo que uma leitura intencionalmente cirúrgica pudesse, querendo-o, extrair certo recado político da imagem. Mas como se estava ainda em 1959, a um ano da eclosão de certos acontecimentos políticos (Desvio do paquete Santa Maria, ataque ao quartel de Beja, início da guerra em Angola), é provável que as antenas da vigilância política se não estivessem ainda no pleno da sua sintonização.
ResponderEliminarNa altura da saída deste Boletim, eu tinha apenas 15 anos, pelo que estava imberbe para me poder pronunciar, ainda que apenas no meu foro íntimo, sobre o seu significado efectivo ou potencial. Conhecia, sim, os colegas mais velhos (do 7º ano) que intervieram neste número, como o Rolando Vera-Cruz Martins, o Vladimir Koenig (menos) e o Chico St'Aubin e outros. Conhecia-os de nome porque não passavam cartão a putos mais novos, senão nos para aplicar umas "chupletas" (lembram-se do que isso era?) atrás das orelhas. Haveremos de falar mais sobre este Boletim.
Sim senhor, ainda há bastante para mostrar. A pouco e pouco, lá iremos. E um abraço pelo interessante (mais um) comentário.
ResponderEliminarBraça boletinesca,
Djack
Dado a lapsos frequentes, quis escrever "senão para nos aplicar umas chupletas e não "senão nos para aplicar...".
ResponderEliminarGostaria de assinalar também que o professor Antero Simões, pelo diletantismo natural que o caracterizava, poderia ter impulsionado este Boletim mesmo sem estar na qualidade de delegado da MP. Mas que o era, era, de facto, e levava a sério a sua missão. Lembro-me de que eu sempre procurei fugir à MP (mais por embirrar com uns graduados que lá andavam), mas, quando, no 7º ano, atingi a idade para a Milícia, ele chamou-me a mim e a outros colegas ao seu gabinete (já era reitor do liceu)para nos dizer que perderíamos o ano por falta se continuássemos a faltar. E foi assim que aprendi em algumas instruções no âmbito da Milícia, no quartel local, os rudimentos de ordem unida e de manejo de espingarda que me haveriam até ser úteis mais tarde. O professor era um homem dinâmico e activo e confesso de o gostaria de ver, pois não me esqueço que ele foi hóspede e amigo da minha avó.
Conheço o Onésimo desde os bancos da escola e tenho seguido o seu percurso com especial interesse...A meu ver, o Coxim continua a ser, como sempre foi, desde a infancia, irreverente e imprevisivel com uma dose de desassombro que provavelmente terá desagradado a uns tantos...Creio, tambem, que o seu zig-zag político não será um exercicio de oportunismo mas sim a demonstração de um irrequietismo ideológico, uma espécie de busca do santo gral...
ResponderEliminarAo amigo Adriano endereço a saudação que o seu comentário me merece e a confirmação de que me recordo bem das chupletas, bem como das "pastas" e "pescoçadas"...Há coisas que nuncva esquecem!
Braça...