Para o n/m francês “Trezic”, tudo começa muito lá atrás, em Camaret-sur-Mer, na longínqua Finisterra bretã. Mais propriamente na península de Crozon, onde se situa esse porto francês atuneiro e lagosteiro. Daí partiam os barcos de pesca por longos meses para a Mauritânia. Por isso, nos anos cinquenta foi lançado um novo tipo de embarcação que se tornará característico da zona: o “mauritano”. Equipado com centenas de armadilhas cilíndricas, possuía câmaras frigoríficas de 15 a 30 toneladas e viveiros com capacidade para 30 toneladas para manter os crustáceos vivos. Os motores desenvolviam à volta de 400 cavalos. A exploração desenfreada da espécie e a entrada de outros países neste tipo de faina, trouxe o declínio dos “mauritanos” e a sua adaptação a outros tipos de trabalho nos finais dos anos 80. Eis pois um resumo da génese da família do nosso barco que pode ser encontrada no providencial site www.bateauxdepeche.net/langmaurcm.htm
O "Trezic", atracado ao antigo molhe de Morgat em Junho.1963. Estava a ser preparado para a sua primeira campanha de pesca. Foto da colecção Thomas Widemann (clique na imagem) |
Conforme se conta em http://thoniers.free.fr/fiches/trezic.html, o “Trezic” (com a matrícula CM3137) nasce em 1963 na península de Crozon (Morgat), feito sob os mesmos planos do seu irmão gémeo, o “Maitena”, no estaleiro de Auguste Tertu no lugar de Rostellec. Tinha 24 metros de comprimento e era comandado por Henri Guéguéniat. Polivalente, dedicava-se à captura da lagosta de Outubro a Maio e à do atum em Morgat, entre Julho e Agosto, altura e que a temperatura das águas africanas não permitia a conservação das lagostas em viveiros de superfície.
Desgraçadamente, o “Trezic” apenas entrou numa campanha completa, aliás muito profícua. A seguinte seria passada na pesca da lagosta em Cabo Verde. Ao fim de algumas semanas de actividade foi vítima de um acidente que danificou muito o casco, sobretudo na zona de vante. Após encalhe, ainda se faz uma perícia que indiciava possibilidades de salvamento. Auguste Tertu manda vir de Morgat o atuneiro “Marie des Îles” traz carpinteiros e ferramental mas a operação acaba por não ter sucesso e o navio é abandonado. Tinha sobrevido apenas alguns meses.
Ora bem, chegamos ao ponto crucial da nossa “stóra”. Em Cabo Verde, sim, mas onde de facto se deu o acidente? Já o soube, mas agora desconheço-o pois as nuvens da memória tendem a confundir este acidente marítimo com o de outro barco belga que naufragou mesmo dentro do Porto Grande, carregado de cevada. Suponho que em S. Vicente é que se desenrolaram os trabalhos de tentativa de salvamento, pois era na altura o único porto do arquipélago com capacidade para isso. Seja como for, a superstrutura metálica do "Trezic” acabou na esplanada em terra batida que antecedia o cais acostável. E ali visitei muitas vezes essa carcaça cheia de magia que no entanto a partir de certa altura a perdeu pois passou a ser casa de banho pública da fauna local. Para aqueles cuja memória ainda mantém de algum modo esta imagem, ela aqui vai para a avivar.
Foto NJNS - 6.Maio.1965 (clique na imagem) |
Finalmente, curtas notas sobre a foto: para além das três personagens, eu , minha mãe e tia-bisavó, pode ver-se o Ford Anglia que o meu pai comprou ao comandante de um barco grego que passou por S. Vicente (na hora do nosso regresso a Lisboa vendido ao Tuta Melo, dono do Cinema Park Miramar) e lá ao fundo (alinhada com a carcaça do "Trezic") a sempre amada Capitania dos Portos, hoje Torre de Belém.
Posso portanto dizer, "Eu estive lá!"... numa quinta-feira, em fim de tarde...
O que mais me admira é que o Joaquim Saial, proprietário deste Blogue, conhece mais estórias do Porto Grande do que os naturais que lá vivem ou viveram. É o meu caso, por exemplo. Desconhecia este episódio do Trezic, embora o seu naufrágio tenha ocorrido mais ou menos na altura em que saí de Cabo Verde.
ResponderEliminarO Porto Grande é protagonista ou simples testemunha de muitas estórias e episódios típicos da faina do mar, uns afortunados e outros a preencherem, tristemente, a nossa história trágico-marítima. Se todos se interessarem em animar este Blogue, contribuindo com o que sabem, ou simplesmente comentando, ele poderá tornar-se um grande espaço de reencontro e projecção da nossa memória colectiva. Quando se assiste, com muita mágoa, ao definhamento do nosso Porto, este Blogue pode ser também um trampolim, ou mesmo um palco tout court, para reflectirmos e opinarmos sobre o que se pode fazer para lhe devolver vida como o grande laboratório do cluster do mar de que se tem falado mas que ainda parece ainda não passar de uma ideia.
Tudo graças a este mindelense de coração que é o Joaquim Saial.
O ambiente do Mindelo, a aura do Porto Grande, a magia das gentes da Praia de Bote e do resto da cidade (diria, da ilha) contribuíram para cimentar no meu espírito as milhentas "stóra" a que assisti e em que nalguns casos participei.
ResponderEliminarQuanto ao resto, já sabemos que quem bebeu um copo de água da Vascónia ficou mindelense para sempre. Assim aconteceu comigo...
Um abraço e obrigado pela participação.
Joaquim Saial