terça-feira, 29 de dezembro de 2015

[1764] Um conto de Ano Novo

Adriano Miranda Lima
Adriano Miranda Lima resolveu brindar-nos com mais um conto de Festas, desta vez sobre a passagem do ano - o que nos obrigou a apagar um post (que não tinha comentários) para ficarmos com a conta dos 600, número em que nos fixámos nesta rodada de 2015. Mas valeu a pena, porque... o conto vale (mais que) a pena... 

A PASSAGEM DE ANO DE NHÔ AMANCINHO

(conto cabo-verdiano de passagem do ano)

Apesar dos seus 90 anos de idade, nhô Amancinho ainda se encontrava suficientemente rijo para cuidar de si. Pequeno e magro, só as costas um pouco dobradas e as pernas já menos expeditas denunciavam a sua bonita idade. Dispensava ajuda nas lidas diárias, e ele próprio confeccionava as suas morigeradas refeições. Morava num cutelo, habitando uma casinha da grande propriedade agrícola onde durante largos anos foi o feitor, muito bem considerado pelo dono e sua família. Foi pelo seu merecimento que lhe outorgaram o direito de viver ali até ao fim dos seus dias. Naquela zona do interior do Paul, ilha de Santo Antão, o habitat humano era disperso, como o era na generalidade da ilha, com as pequenas casinhas rurais salientando-se no meio das meradas (1) talhadas nos socalcos das encostas. Como vizinhança mais próxima, nhô Amancinho tinha nha Clarisse e a sua filha, de nome Joana. Volta e meia, uma ou outra apareciam por lá para saber se estava tudo bem com ele, e sempre que calhava levavam-lhe uns pequenos mimos, como um pouco de cuscuz, uma batata-doce assada, uma canequinha de mel de cana, ou mesmo um caldinho quente acabado de fazer. Nessas alturas, trocavam sempre dois dedos de conversa e o tema era invariavelmente a família, o estado do tempo ou as lembranças dos tempos antigos. Nhô Amancinho habituara-se há muitos anos a viver em solidão, depois da morte da sua companheira e mãe dos seus dois filhos, um que morreu ainda rapaz e outro, o Mário, que vivia actualmente na Praia.

Nesse dia 31 de Dezembro, nhô Amancinho levantou-se à hora habitual, com o Sol ainda sem despontar por trás do cume da montanha sobranceira ao lugar. Tomou o cafezinho da manhã e a seguir foi logo regar a hortinha de onde colhia a batata-doce, o inhame e as couves das suas refeições diárias, sendo a principal normalmente restringida ao almoço. O dia de São Silvestre era para ele como outro qualquer. À excepção de alguns foguetes que um ou outro entusiasta costumava atirar aqui e além pelos pequenos aglomerados das encostas, pouco ou nada diferenciava esse dia dos restantes do calendário. Ah, haveria também aquele bater de pilão logo à noite a moer a farinha de milho para o cuscuz, que ecoaria então por todo o lado. Sim, porque mesmo no interior de Santo Antão, o cuscuz tradicional não se dispensava na noite de São Silvestre. 

Imagem de Santo Antão (saída de Ribeira Grande, para Ponta do Sol) Foto Joaquim Saial, 1999 
Mas, nesse dia, o bater mais forte era o do velho coração de nhô Amancinho, que ansiosamente aguardava a visita do seu filho. Na véspera, viera um rapazinho das vizinhanças entregar-lhe um telegrama deixado pelo carteiro, em que o filho lhe comunicava que chegaria na tarde de São Silvestre e passaria dois dias na sua companhia. Apanharia o avião para S. Vicente e depois era só atravessar de ferryboat o canal até Porto Novo. Com esta notícia, nhô Amancinho ganhou um renovado brilho nos olhos e não cabia em si de contente, cantarolando pelos cantos como há muito não lhe se ouvia. Foi assim que recolheu os produtos da terra que iam ser o acompanhamento da galinha guisada que lá mais para a noite ia mandar à nha Clarisse preparar-lhe, pois nada como a mão de uma mulher para dar um toque especial à comida. Queria receber o seu filho condignamente, e assim a ceia teria de estar à altura do momento do seu reencontro, mais ainda em dia de São Silvestre. Também foi buscar uma garrafa de bom grogue, velho de há uns bons anos, que tinha reservado para um momento especial. E aquele era um momento que pedia meças a outros.

Foi com estes pensamentos em tropel que o velho viu passar as horas vertiginosamente até que o Sol, já a meio do seu percurso rumo ao poente, lhe anunciava que o seu filho não tardaria a galgar a ladeira pela única trilha nela rasgada. Mas a verdade é que o Sol se pôs e do Mário nenhum sinal. A nha Clarisse, já no quintalinho a depenar a galinha, estranhando a demora da aguardada visita, procurou no entanto tranquilizar nhô Amancinho:

─ Ó vizinho, num dia como hoje muita gente desembarca no Porto Novo e os carros não dão para levar tudo duma só vez. O Mário pode não ter tido lugar mas há sempre uma segunda leva...

─ Deus a ouça, Clarisse, Deus a ouça…

─ Bem, melhor dizendo, que ouça São Silvestre, que é santo da nossa alegria ─ respondeu a Clarisse.

Mas nhô Amancinho começou a ver passar as horas e já não via motivo para grande optimismo. Começou a ficar pensativo, ensimesmado, principalmente depois da poalha do crepúsculo cair sobre o lugar, antecipando a noite, que não tardou a instalar-se. No entanto, não quis que se alterasse o que estava previsto e pediu para as suas amigas avançarem com o jantar, na esperança de que o Mário sempre viria para completar a moldura humana à volta da mesa. As duas vizinhas iam fazer-lhes companhia nessa noite e a Joana começou a pôr a mesa, sobre a qual estendeu uma toalhinha lavada que estava guardada na arca do dono da casa, enquanto nha Clarisse acendia o lume e adiantava os preparativos para confeccionar o repasto.

A dado momento, viram alguém a aproximar-se ao longe em passo acelerado. Mas tanto quanto permitia a escassa visibilidade, o vulto não parecia ser o do Mário, que é pessoa bem mais alta e encorpada. E nha Clarisse não demorou a reconhecer o rapaz da pequena mercearia a meia légua de distância, de onde é normalmente redistribuída a correspondência destinada às redondezas. Era, sim, o portador de um telegrama. Aberta a missiva, a Joana foi chamada a ler o seu conteúdo: o Mário explicava que lamentavelmente perdeu o avião na Praia e pedia imensas desculpas ao pai, prometendo visitá-lo numa próxima oportunidade.

Nhô Amancinho ouviu tudo com ar dorido, não proferindo uma única palavra ou esboçando qualquer gesto. Procuraram animá-lo dizendo-lhe que o filho não tardaria a agendar outra visita. Mas, como se mais ninguém ali estivesse, sem proferir palavra, o velho foi a uma prateleira buscar a sua rabeca, instrumento que possuía desde os seus tempos de rapaz e com que animava as pequenas festarolas das redondezas. Costumava contar que foi isso que o ajudou quando, em tempo de seca prolongada, ainda muito novo, foi numa leva de contratados para as roças de São Tomé. Para ele, sem esse passatempo teria morrido de saudade ou mirrado de corpo e alma, explicando que a alma mantida viva foi a salvação do corpo. Porém, com a rabeca na mão direita e o arco na esquerda, e tomando a pose de quem ia começar a tocar, nhô Amancinho ficou repentinamente estático, sem esboçar o mínimo movimento, parecendo uma daquelas estátuas-vivas que se postam nas ruas movimentadas das grandes cidades. Surpreendidas com a cena oferecida pelo seu vizinho, mais ainda ficaram as duas mulheres quando ele subitamente deu um grito e pousou o instrumento, clamando em voz alta:

─  Meninas, tristezas não pagam dívidas! Vamos ao jantar, quem está, está, quem não está que estivesse! ─ E sentaram-se os três para atacar o que cheirava bem na panela que nha Clarisse colocara sobre a mesa. A conversa animou-se como sempre com as peripécias que o idoso contava sobre as águas que correram debaixo da ponte da sua vida; as dificuldades que sentiu nas suas andanças por São Tomé, coisa para esquecer, conforme acentuava sempre; a amizade do dono da propriedade onde trabalhou quase toda a vida e desde o regresso de São Tomé; a mágoa pela perda do filho em idade jovem e mais tarde da mulher; em suma, passou em revista praticamente aquilo que as suas interlocutoras já conheciam, de tão repetido, de conversas anteriores. Por fim, lamentou a ausência do Mário, tanto mais depois da expectativa criada à volta da sua visita.

Terminado o jantar, levantou-se, mostrando já o efeito indisfarçável de três grogues bem aviados, e disse, desafiando as suas vizinhas: ─  Meninas, vamos ao baile! ─ Nisto, pegou na rabeca e atacou freneticamente as suas cordas tocando as modinhas dos bailes populares antigos, enquanto incitava as companheiras a dançar dentro do espaço restrito da habitação. Elas não se fizeram rogadas e enlaçaram-se em jeito de dança ao ritmo da música mexida derramada pela rabeca. O tocador, que não tinha par disponível, ao mesmo tempo que fazia vibrar o instrumento fez dele o seu par envolvendo-o num estreito amplexo, após o que o seu corpo franzino começou a rodopiar à volta das duas mulheres, como se tivesse sido insuflado de uma carga eléctrica, a desmentir os seus 90 anos. Assim foi durante cerca de uma hora, sem que sinais de cansaço aflorassem ao seu rosto.

A páginas tantas, e depois de tanto dar ao pé, nhô Amancinho disse: ─ Alto e pára o baile, raparigas! Então, a música da rabeca transitou do ritmo acelerado dos bailinhos para a dolência dos momentos graves. O tocador, de olhos vidrados e fixos na rabeca, qual cobra fitando a presa, parecia ter-se transferido para outra dimensão da realidade. Agora, a música arrastava-se em notas prolongadas e carregadas de melancolia, numa espécie de rapsódia que percorria o registo cabo-verdiano do sentimento magoado, da dor da saudade, da tristeza da hora di bai (2), dos males do amor. Nhô Amancinho e a sua rabeca formavam uma mesma entidade, homem e instrumento unidos na mesma vibração de alma, não se distinguindo onde estavam as cordas musicais e onde estavam as mãos febris que as faziam vibrar. Tal era o estado catatónico do seu vizinho que nha Clarisse e a filha perceberam que ali havia coisa para durar e não se sentiram com coragem para desfazer aquele quebranto. Se assim o pensaram melhor procederam quando saíram em silêncio, pé ante pé, apenas com um leve sinal de mão dirigido ao seu anfitrião. 

Horas depois, já em sua casa, elas ainda ouviam os acordes da rabeca de nhô Amancinho a escapar-se pelas frinchas do seu tugúrio, como que procurando auditório entre o povo das cercanias.

(1) Designação de horta na expressão popular santantonense.
(2) Hora de partida, em crioulo cabo-verdiano.


Tomar, Dezembro de 2015
Adriano Miranda Lima

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

[1763] Prenda de Natal para os leitores do Praia de Bote

MNIN ISJUS TITÁ NASCÊ NA MAR 
(conto de Natal cabo-verdiano)

Adriano Miranda Lima
O conto é interessantíssimo, por vários motivos: está bem escrito (como é timbre do autor), tem Cabo Verde dentro e ainda por cima esse dentro é muito "Praia de Bote". Trata-se de uma oferta do Adriano Miranda Lima ao nosso blogue mas sobretudo àqueles que lendo o Pd'B gostam não só de o ler como também de oferecer os seus comentários oportunos e "adicionantes". Um braça para o Adri e um braça para esses todos (infelizmente poucos) que também fazem o blogue.


Aquela tarde de 24 de Dezembro de 1951, no Mindelo, seria igual a outras, não fosse véspera de Natal. Nhô Mano descia a rua de Morguino, vindo das fraldas do Monte, a caminho da Praia de Bote, mergulhado nos seus pensamentos, quase não dando pelas pessoas que o cumprimentavam. Tinha encontro marcado no botequim Boca de Tubarão com os três companheiros que o ajudavam na actividade do bote adquirido com o suor do seu trabalho. A sua experiência dizia-lhe que não podia contar com a melhor disposição deles em ir para o mar em véspera de Natal. Mas que remédio tinham eles? ─ Interrogou-se no seu íntimo. A pesca na véspera foi um fiasco, por causa da ventania que soprou, encapelando o mar, e agora tinham mesmo de ir à vida. O tempo estava de boa feição, sem vento e com mar calmo, e nhô Mano estava confiante numa boa pescaria durante a noite. Não era altura de luar e iam precisar de cafucas (1) para iluminar os trabalhos. Ainda teria de verificar se eram suficientes as pontarias de anzóis (2) que durante a manhã preparou. Mas o que o preocupava mesmo era a boa vontade dos seus companheiros em trabalhar numa altura destas. O Muxim, o mais velho dos três, nunca virava a cara ao trabalho, embora homem de pouca fala. O Fidjim raramente dizia que não, mas tinha o velho hábito de ir à Missa de Galo com a mãe dos seus filhos. O maior problema era o Lela de nhâ Lorença, o mais jovem; bom remador, sim senhor, mas refilão e pouco regular no seu procedimento, e além disso amigo do seu groguinho e da sua paródia.

Nhô Mano passou em primeiro lugar pelo Plurim de Pêxe (3) para arranjar isco, e a seguir deu umas voltinhas pela rua da Canecadinha, onde adquiriu alguns suprimentos, incluindo petróleo para as cafucas; depois, foi ao bote ultimar os preparativos, o que sempre preferia fazer sozinho, com a sua habitual calma e meticulosidade. 

Estava já à porta do Boca de Tubarão, onde parou por momentos a olhar para o horizonte. O Sol ia a caminho da linha de cumeada de Santo Antão, e nhô Lela pensou com os seus botões que era hora de despachar e ir para o mar. No interior do botequim os 3 pescadores olharam para o patrão quando ele entrou. Não estavam lá de muito boa cara, e o Lela e nhâ Lorença disparou logo:

─ Ó nhô Mano, no Natal? Cmanera? (4) ─ Sem ter tempo de nhô Mano reagir, Fidjim adiantou: 

─ Eu por acaso já tinha combinado umas coisas com a Bia.    

O Muxim é que não abriu a boca, entretendo-se a rapar uma unha com um canivete, mesmo quando nhô Mano olhou para ele interrogativo, como que a pedir a sua opinião. Então o catraeiro respondeu:

─ Mnis, sei que hoje é véspera de Natal, sim senhor, e vocês têm razão, lá isso têm. Mas já viram que ontem não pescámos nada e estamos todos quebrados (5)? Não será melhor arranjarmos um dinheirinho para amanhã podermos ter em casa ao menos um bom almocinho com a família e sentir uns trocos a mexer no bolso? Depois, essa coisa de Natal é mais para rico, não para nós. Por algum motivo o povo diz que em Cabo Verde “ramede de pobre é pobreza”, mas é claro que temos de lutar contra essa fatalidade. Vocês interessam-se lá por essa coisa de presépio, Menino Jesus, prenda de Natal? Ora, ora…

Sem coragem para contrariar quem lhes dava a ganhar o pão do dia, lá se levantaram os pescadores, seguindo em silêncio atrás do seu patrão em direcção ao "Flor da Baía", nome com que ele baptizou o bote. Com os seus 66 anos, nhô Mano ainda se apresentava com todo o vigor para as duras lidas do mar. Os músculos retesados dos seus braços compridos eram a prova de muitos anos a dar ao remo.

Conferiram os apetrechos de pesca, numa espécie de check list que o catraeiro não dispensava. A seguir, arrastaram o bote até à água e momentos depois ele já deslizava suavemente ─ chape-chape, chape-chape ─ tomando a direcção da Ponta do Morro Branco, movido pela força dos oito braços. O silêncio em que iam foi interrompido por Lela quando ouviram alguns foguetes estralejar sobre a cidade: ─ Adé, eles estão a saudar a nossa saída, nhô Mano! Não estamos lá para festejar mas temos ao menos direito a foguete ─ riu-se soltando uma sonora gargalhada. Seguiu-se então o seguinte diálogo entre os quatro:

─ Eu, Mano de nhâ Ludovina, vos digo que não tem piada nenhuma festejar sem dinheiro no bolso. Nem Natal, nem São João, nem Carnaval, nem festa nenhuma. Aliás, foram poucos os natais em que não estive derriba de mar, desde que me fiz homem. A vida não é um mar de rosas, moços.

Interveio Muxim, quebrando o seu habitual mutismo: ─ Eu também não. E não me recordo de alguma vez ter havido festa de Natal em minha casa. Só me lembro de o meu pai, que tinha manhas de funileiro, me ter feito um navio de lata bnitim. Tinha eu seis aninhos, e o meu pai copiou o modelo de um vapor inglês que estava fundeado na Baía.

─ Eu, brinquedo, brinquedo… nunca cheirei nenhum – disse o Lela. A não ser uma cornetinha que me deram na catequese nos Salesianos. Tinha os meus onze anos e passei o dia todo a tocar, fazendo uma trabuzana tal que a avó Tanha me mandou ir tocar para a rua...

─ Digo-vos que Natal, Natal, é em casa de gente branca – interrompeu-o o Fidjim – a minha mãe foi criada em casa de gente rica e lembro-me do que ela contava. E no dia de Natal aparecia sempre com coisas boas de comer que lhe davam das sobras, bolo, pudim, croquetes... Também lhe davam roupa usada em bom estado ainda.

Os foguetes ainda se ouviam ao longe quando atingiram a Ponta do Morro Branco. Em lenta agonia, o Sol era uma imensa bola de fogo a mergulhar no mar, deixando atrás de si pinceladas de um rosa espectral, espécie de mortalha do dia que findava. Em breve cairia sobre o mar um manto escuro cada vez mais espesso, ficando como únicas referências visuais o vulto sobranceiro do Monte Cara e, mais além, o ilhéu dos Pássaros. Começaram a lançar as pontarias de anzóis, com o bote a mover-se suavemente, agora apenas ao sabor da corrente. A três quilómetros de distância, estava a Ponta de Ladra Cachorro, mas só a demandariam se a faina não corresse logo de feição. A certa altura, nhô Mano mostrou o balaio em que estava a comida para a noite: 

─ Rapazes, nesse balaio há peixe frito, pastéis de milho e pão da padaria Jonas, que é a nossa ceia, e… uma garrafinha de grogue, que é o meu presente para vocês não pensarem que sou calisto (6). Gastei os últimos escudos que trazia no bolso, mas com fé em Nosso Senhor vamos fazer esta noite um bom dinheirinho.

Os homens ouviram e continuaram no seu afã de lançar anzol e sondar os locais mais propícios, no que o Muxim tinha um especial faro. As duas cafucas estavam já acesas e ao longe divisaram outras luzinhas a piscar sobre o mar, quais pirilampos a imitar iluminações de Natal no negrume da noite.

─ É rapaziada de S. Pedro. Eles também devem andar quebrados como nós…

─ Não estejas agora com remoques, Lela ─ retorquiu Muxim. Não somos só nós que trabalhamos no Natal, trabalham os doutores, os enfermeiros, os guardas de alfândega, os polícias de capitania, e outras mais criaturas.

A verdade é que, fosse por obra do Pai Natal ou simples acaso, estavam a fazer boa pescaria. O relógio de nhô Mano marcava 2 horas da manhã e o fundo do bote já registava uma boa captura de goraz, garoupa e esmoregal, entre outras espécies menores. Mas nhô Mano queria aproveitar o maná e mandou remar mais para o pé de uns rochedos próximos, pensando que umas moreias também calhariam bem. Assim foi a noite toda, até que o cansaço se tornou visível nos rostos. Enquanto estavam mergulhados no seu trabalho, iam conversando sobre as suas vidas pessoais e metendo algumas pilhérias pelo meio. 

O Lela estava debruçado sobre o bote a recolocar isco nos anzóis quando nhô Mano se virou para o Muxim e lhe segredou junto ao ouvido, sem que os outros ouvissem:

─ Vê lá tu, o Lela não é mau rapaz, até trabalha muito bem quando quer, mas é preciso espicaçá-lo. Às vezes olho para ele e lembro-me do meu filho macho, o Humberto, que infelizmente morreu na flor da idade.

─ Ah, lembro-me bem do Beto, que Deus haja. A vida é assim, nhô Mano, mas você tem a sua filha Luzia, por sinal boa rapariga.

Nesse ínterim, o catraeiro disse aos companheiros que ia dormitar um pouco porque já não tinha a idade deles e o corpo estava mesmo a reclamar. Enroscou-se sobre um dos assentos do bote e não tardou a entrar nos braços de Morfeu.

Os pescadores prosseguiram a sua azáfama, seguindo as instruções do patrão, que queria desembarcar às primeiras horas da manhã com um carregamento o maior possível e enquanto houvesse peixe a rondar. Mas, a certa altura, nhô Mano acordou sobressaltado com o Lela a gritar, esbaforido:

─ Acordem, acordem, olhem lá ao longe, no horizonte, dois palmos à esquerda de Santo Antão!!! Mnin Isjus titá nascê na mar (7), embrulhado num lençol de nuvens!!! Olhem bem, olhem bem!!!

Nhô Mano, estremunhado, esfregou os olhos e virou a cabeça para onde apontava o seu jovem companheiro. Mirou, mirou, e disse:

─ Onde é que estás a ver o Mnin Isjus, Lela? – Este voltou a fitar o horizonte, desta vez com as mãos em canudo.

─ Estava lá, sim, juro!!! O Fidjim é testemunha, que ele também viu!!! E o Muxim também deve ter visto!!!

─ Ó Lela, o que vi foram umas nuvens em forma de figurinhas, mas qual é (8), rapaz?, não havia nenhum Mnin Isjus, ─ respondeu o Fidjim ─ às vezes as nuvens tomam cara de gente…

─  Eh lá, a mim não me metam nisto, que eu até nem acredito nestas coisas de religião! ─ rematou o Muxim.

Então, nhô Mano, conhecendo bem o seu mais jovem companheiro, teve um pressentimento e perguntou:

─ Lela, onde é que está a garrafa de grogue que ficou acima de meio quando fui dormir? ─ O Lela, acabrunhado, mostrou a garrafa, já completamente vazia. Todos deram uma gargalhada e o catraeiro exclamou, todo divertido: 

─ É sempre o mesmo. Não se pode confiar uma garrafa a este rapaz. Agora vais ser tu a pagar-nos uma rodada de grogue no Boca de Tubarão!

Instantes depois, o "Flor da Baía" já dobrava a Ponta do Morro Branco, a caminho da Praia de Bote, impulsionado pelas remadas sincopadas dos quatro pescadores. O céu estava coalhado de cúmulos dispersos, de cor variando entre o branco e o cinzento, como pedaços de algodão espalhados ao acaso para atapetar a chegada do Mnin Isjus.   


(1) Lanterna improvisada com um recipiente, torcida e petróleo.
(2) Sistema de pesca formado por um longo fio e vários anzóis.
(3) Mercado de Peixe
(4) Expressão crioula interrogativa que significa: “Então, como?”
(5) Termo crioulo que significa estar-se sem dinheiro, vindo do inglês broken.  
(6) Termo crioulo que significa forreta.
(7) Tradução do crioulo mindelense para o português: “Menino Jesus está a nascer no mar”
(8) Expressão típica em crioulo que significa: “Como assim, qual é a tua?”

Tomar, Dezembro de 2015
Adriano Miranda Lima

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

[1762] Orquestras em Cabo Verde | Internacionalização 2015. Algo de novo está de facto a acontecer nas ilhas verdianas, no domínio da música...

Para não acabarmos em 600, terminamos com 601, o que dá mais esperança de continuidade. E concluimos da melhor maneira (verdadeiramente em GRANDE) o ano de 2015, como verão... aqueles que virem e ouvirem este excelente post.

[1761] Praia de Bote... Sempre!

Foto Joaquim Saial (1999)

[1760] Neste final de ano, o velho e o novo ("Carvalho", sem legendas, para meditar)


Foto Joaquim Saial (1999)

[1759] Ponta d'Praia (de Bote)

Foto José Carlos Marques (2013)

[1758] Filhos da Praia de Bote

Foto Narciso Silva (1964)
Foto Joaquim Saial (1999)

[1757] Em final de ano, uma revisão de memórias, sempre com a Praia de Bote em fundo

A Praia de Bote pode viver sem o Monte Cara? O Monte Cara pode existir sem ela? Ambos podem passar sem a baía? Todos podem ter vida sem os pescadores da Praia de Bote e a fauna do Plurim d'Pêxe? Que mistério tem este local? De que magia está impregnado? 

Foto Joaquim Saial (1999) -  Homem arranjando atum

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

[1755] Más um ctcháda de carvom na Mindelo e na Praia d'Bote (ver post anterior)

E depois foi aqui o cais da Shell. Lembram-se?


[1754] Carvom, carvom e más carvom

É imagem de antes de 1910, não se percebendo se o postal é de 1905 ou 1908. E produzida pela famosa G. (Godfrey) Hastings de Whitley Bay (Newcastle). Obviamente, ainda não temos aqui Torre de Belém, a Praia de Bote está atravancada de construções e no sítio que depois foi da Shell há carvão, carvão e mais carvão... Caso para dizer "bem diazá, né devera?"


sábado, 12 de dezembro de 2015

[1752] Mais uma história de mar de Luís Filipe Morazzo

Ocorrência 10 - O "Meerkerk"

(ver nove anteriores ocorrências, em posts já lançados do Praia de Bote; clique na etiqueta Ocorrência, mesmo no final deste post)

Luís Filipe Morazzo
Depois de termos abordado as operações desencadeadas pelos submarinos U-124 e U-105 contra o comboio SL-67, falta-nos observar as últimas acções desenvolvidas contra este comboio, aquelas que foram praticadas pelo U-106. Este submarino que na altura do ataque, no dia 8 de Março de 1941, era comandado por outro dos grandes ases da Krigsmarine, o famoso capitão de corveta Jürgen Oesten. 

Oesten, que foi um dos 30 mais bem-sucedidos comandantes de submarinos de toda a guerra, juntou-se ao Reichsmarine em Abril de 1933. Fez a sua aprendizagem inicial, a bordo dos históricos cruzadores Admiral Graf Spee e Karlsruhe, onde passou mais de um ano. Em Maio de 1937, transferiu-se para a arma submarina recebendo um treino completo de pré-guerra. Em Outubro de 1937, obteve o seu primeiro cargo a bordo de um submarino, o U-20, como oficial de vigia.

Assumiu o primeiro comando a bordo do U-61, entre 12 de Agosto de 1939 e 28 de Julho de 1940, efectuando 9 patrulhas em 147 dias. De seguida vamos vê-lo a comandar o U-106, entre 24 de Setembro de 1940 e 19 de Outubro de 1941, onde efectuou três patrulhas num intervalo de 182 dias. Durante este período foi promovido a comandante da 9.ª flotilha que estava baseada em Brest. Teve o seu último comando a bordo do U-861, entre 2 de Setembro de 1943 e 9 de Maio de 1945, efectuando duas patrulhas em 252 dias.

Foi exactamente nesta última etapa que este famoso marinheiro chegou ao topo da fama e da glória. Tudo começou quando largou de Kiel, em 20 de Abril de 1944, com rumo traçado ao Extremo Oriente, onde uma difícil missão o esperava: trazer para a Alemanha um dos maiores carregamentos de borracha, matéria-prima vital, para o esforço de guerra que a Alemanha nazi desenvolvia nas várias frentes onde estava envolvida.

O U-861 deixou Surabaia, Indonésia em 15 de Janeiro de 1945, com cerca de 250 toneladas de borracha a bordo e apenas dois torpedos para sua autodefesa. Na viagem de regresso o U-861 abalroou um iceberg ao sul da Groenlândia, mas Oesten, contando com a sorte, mas acima de tudo com a sua mestria de marinheiro exímio, atingiu Trondheim, na Noruega, em 19 de Abril de 1945, com apenas cinco barris de combustível que subsistiam nos tanques, após uma viagem turbulenta de cinco meses, através de mares tempestuosos e infestados de navios inimigos No final da guerra tinha no seu curriculum, 19 navios inimigos afundados, que perfaziam (101.800 toneladas brutas), mais quatro gravemente avariados (50.000 toneladas brutas), obrigando estes a longos períodos de inactividade. Neste grupo estava incluído o cruzador Malaya (31.100 toneladas), um dos principais navios da escolta deste comboio e o grande cargueiro holandês Meerkerk, propriedade do conhecido armador Holland America Line. Este, que apresentava um deslocamento bruto de 8000 toneladas e fora construído na Alemanha em 1916, transportava nos seus porões um valioso e pesado carregamento de madeiras exóticas provenientes das florestas Indonésias. Foi exactamente este tipo de carga que impediu que o Meerkerk se tivesse afundado, após ter sido torpedeado pelo U-861. Embora com alguns dos porões inundados, conseguiu regressar ao porto de partida, Freetown, mesmo passando por algumas dificuldades. 

O Meerkerk
Contudo este navio estava condenado a não sobreviver aos efeitos da guerra. Em 16 de Junho de 1946, o Meerkerk estava fundeado ao largo de Steenbanken, na costa norte da Holanda, à espera de piloto, quando devido a forte temporal garrou para uma zona ainda não desminada. Uma mina explodiu ao embater na popa do navio. Muitos dos passageiros em pânico, saltaram para o mar, tendo 12 perdido a vida. 

De acordo com sua família, Jürgen Oesten morreu pacificamente em 5 de Agosto de 2010, com 97 anos, levando ao peito as maiores condecorações militares da época, a cruz de guerra de 1.ª e 2.ª classe e a famosíssima cruz de ferro. A seu pedido, foi sepultado no mar após um serviço em uma capela em Hamburg-Ohlsdorf. Longa vida para quem tanto arriscou.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

[1751] Germano Almeida regressa com "Regresso ao Paraíso" - Já divulgado no "Esquina do Tempo", sortudo por estar mais perto do acontecimento

Sabemos no entanto, que a acção do livro agora editado pela Ilhéu se passa na Boavista natal do autor e segundo informações de quem sabe... se trata de uma obra muuuuuuuuuuuuito "legível". Esperemos para podermos saborear o petisco, em Lisboa, através da Caminho, como sempre.


[1750] ..._ | ._ | ._.. | _.. | . | -- | ._ | ._.

Que adivinhe, quem souber... a quem é dedicada esta imagem...


terça-feira, 8 de dezembro de 2015

[1744] Prenda de Natal de Praia de Bote pa tude munde na Cabverd e pa ques ote q'ta gostá de nôs 10 gronzim di tera

Chamou-se Dionísio da Câmara Lomelino e era fotógrafo amador, entre outras actividades que desenvolvia. O apelido Câmara dá-o desde logo como sendo natural da Madeira, em cuja capital (Santa Maria Maior, Funchal) nasceu em 9 de Outubro de 1880. Faleceu na Cruz Quebrada, Lisboa, em 1 de Novembro de 1939. Sabemos dele que possuia notável colecção de moedas e medalhas que foram motivo de parecer de Sabino Antunes, especialista na área, tendo em vista a sua aquisição pelo Estado (?). E também que foi radioamador de fama (ver AQUI). Homem viajado, acabou por estar uma temporada em Cabo Verde, onde fez várias fotografias que deram origem a postais ilustrados muito divulgados, alguns deles posteriormente coloridos. Casou com Silvana da Conceição Florença, em 1900, na paróquia do Machico (Madeira) em altura próxima daquela em que fez as fotos que hoje aqui divulgamos como prenda de Natal para os nossos milhentos leitores e para os nossos ínfimos comentadores.





[1743] Mariza - Padoce de Céu Azul (versão de canção de Lura)

[1742] Pescador Juvenal Mendes, uma história de sobrevivência

Ver AQUI

[1741] Tubarom, já ca tem na Cabverd?

"(...) Também para dizer-te que gostei muito de forma como evocas  o tempo em que o nosso mar era infestado de tubarões, tempo de Nhô Fula, que já ca ta bem más (estou a referir o passado,  em crónica de Joaquim Saial que saiu no jornal Terra Nova de Outubro de 2015), Para a nossa tristeza, devo dizer-te que no mês passado, dois técnicos canadianos chegaram a Cabo Verde, para monitorizar tubarões, percorreram do Ilhéu dos Pássaros até a ilha de Santa Luzia e não encontraram um tubarão adulto.  Isso traz-nos preocupação. O que se está a passar com o nosso ambiente?"

Texto do meu amigo e antigo colega de escola da 4.ª classe da Rua do Sol (Lombo) Daniel Bartolomeu Gomes, em mensagem que me enviou ontem, dia 7 de Dezembro, desde São Vicente.

[1740] Boas Festas da Cidade Velha para o Praia de Bote


domingo, 6 de dezembro de 2015

[1739] Boas Festas da Embaixada de Cabo Verde em Lisboa

Praia de Bote, agora aqui com o motor em marcha lenta (moda Senhor das Areias...), devido a afazeres de escrita e outros, agradece à Embaixada de Cabo Verde em Lisboa os votos de Boas Festas e deseja à Exma. Sr.ª Embaixadora, a todo o pessoal da legação das ilhas na capital portuguesa e por extensão a todos os cabo-verdianos um excelente Natal e um 2016 com felicidade, saúde e... chuva.





quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

[1738] O Afundamento do "Hindpool"

Ocorrência 9 - O afundamento do "Hindpool"

(ver oito anteriores ocorrências, em posts já lançados do Praia de Bote; clique na etiqueta Ocorrência, mesmo no final deste post)

Luís Filipe Morazzo
Winston Churchill, nas suas memórias, descreveu os "U-Boats" como a maior ameaça à vitória sobre o nazismo – não foi à toa que ele temia os afundamentos causados pelos U-Boats mais do que qualquer outra arma de Adolf Hitler. Apesar de os alemães já estarem na defensiva na frente oriental, após a derrota em Estalinegrado, em Fevereiro de 1943, no Atlântico ainda levavam vantagem. O primeiro-ministro inglês estava inteiramente certo, quando aludiu nas suas famosas memórias, que a ameaça protagonizada pelos U-boats durante o percurso da guerra tinha sido sem dúvida alguma a mais temível de todas as armas de Hitler. 

No final do conflito os números vieram dar razão a Churchill, a Grã-Bretanha tinha sido salva da tentativa de bloqueio naval pela Alemanha, não sem pagar um preço elevadíssimo: 37.000 tripulantes da sua marinha mercante, que representavam 30% dos tripulantes embarcados, tinham tombado a bordo dos cerca de 2000 navios mercantes, (13 milhões de toneladas) afundados, 57% de toda a tonelagem disponível no início da guerra, tudo isto obra desta magnífica arma, os incomplacentes U-Boats. No mesmo intervalo, a arma submarina alemã também pagou uma fatura elevadíssima, perdeu em toda a guerra, 29 000 dos seus melhores homens e 785 de seus 1 162 submarinos.

O Hindpool
Contudo a agonia aliada no Atlântico começou a abrandar em maio de 1943, por duas razões em particular. A primeira, a mais decisiva, o peso da máquina de guerra americana a fazer-se sentir cada vez mais nos vários teatros de operações, a segunda, e esta foi particularmente importante para a derrota dos submarinos alemães, quando John Sayers, cientista britânico, anunciou a invenção de um novo sistema de radar, com ondas curtas e tamanho compacto o suficiente para ser instalado em aviões – o radar centimétrico. Seu princípio é o mesmo dos radares convencionais; um feixe de ondas electromagnéticas é emitido. Quando um obstáculo é encontrado, o feixe retorna. Medindo o tempo entre a receção e o choque com o obstáculo, bem como o ângulo do mesmo, pode-se localizar o alvo. Com base nele, os aviadores aliados podiam, agora, localizar submarinos alemães na superfície com relativa facilidade e afundá-los com cargas de profundidade.

Continuando a seguir a ação desenvolvida pelo comandante do U-124, Wilhelm Schulz, contra o comboio SL-67, vamos ficar a saber qual foi o último dos quatro navios afundados por este temível comandante de U-boats. Tratou-se do Hindpool cargueiro de 4897 toneladas brutas, construído em 1928, para o armador Sir R. Ropner, tinha a bordo uma pesada carga de cerca de 8000 toneladas de ferro a granel. Foi a penúltima vítima de um ataque concertado por uma matilha composta por três submarinos (U-106, U-124, e U-105), contra este comboio, efetuado no dia 8 de Março de 1941.Como foi anteriormente mencionado, este comandante após ter disparado uma salva de 6 torpedos, no período compreendido entre as 5h47 e as 6h08 do dia 8 de Março de 1941, obteve um sucesso invejável, pois quatro grandes cargueiros do comboio foram afundados quase em simultâneo (Tielbank, Nardana, Lahore e por último o Hindpool). 

Infelizmente em relação a estes quatro torpedeamentos, o do Hindpool, foi o mais mortífero de todos, pois de uma guarnição de 40 homens, 27 morreram, com o comandante do navio incluído neste número. Treze sobreviventes foram resgatados pelo navio de escolta HMS Faulknor e de seguida levados para Gibraltar onde desembarcaram no dia 16 de Março.