sexta-feira, 31 de maio de 2013

[0472] Homenagem a Jorge Barbosa, na freguesia da Cova da Piedade e em Almada (Portugal), a 15 de Junho


O blogue PRAIA DE BOTE tem o grato prazer de convidar os cabo-verdianos residentes em Portugal e todos aqueles que gostam de Cabo Verde e da poesia em geral, para a homenagem que vai ser feita ao grande vate das ilhas. Mais notícias irão sendo fornecidas sobre o tema, sempre que oportuno.

VIAGENS

Lembro as viagens que fazia nos paquetes da Blue Star
quando escalavam o porto da ilha de S. Vicente.
Eram viagens que não passavam nunca do cais
mas punham um alvoroço bem grande no meu coração.

Ora seguia rumo à Europa,
Hamburgo, Paris, Londres...
Ora para Cuba, México, Argentina...

Mas para o Rio de Janeiro é que ia sempre de preferência.

Era à tarde quando ia passear para o cais
(todas as partidas deviam ser pela tarde
porque depressa se apaga dos olhos a terra que ficou atrás).
O bote estava mesmo encostado à escada para me levar
e eu começava a descer o primeiro degrau...

Mas retrocedia logo porque então me lembrava
de que no dia seguinte tinha que pôr a assinatura
no livro do ponto da repartição.

Foi afinal o livro do ponto
onde todos os dias deixava melancolicamente
a minha assinatura e a minha renúncia,
que fez com que todas as minhas viagens
nunca passassem do cais da ilha de S. Vicente...

quarta-feira, 29 de maio de 2013

[0471] Homenagem almadense ao poeta Jorge Barbosa, em marcha

Jorge Barbosa

Falecido em 1971 na Cova da Piedade, Almada, o poeta cabo-verdiano Jorge Barbosa vai ser homenageado por um grupo de admiradores, com a prestimosa colaboração da Câmara Municipal de Almada, no dia 15 de Junho.

PRAIA DE BOTE, também envolvidos na iniciativa, dará amanhã notícias em primeira mão sobre o diversificado programa com que se pretende honrar (e avivar) a memória do poeta das ilhas.

domingo, 26 de maio de 2013

[0469] Na morte de Ofélia Ramos, a 23 de Maio - VEJA TEXTO DE LUIZ SILVA SOBRE OFÉLIA NO POST ANTERIOR


[0468] Ofélia Ramos, a rainha das noites cabo-verdianas do Mindelo, morreu na passada quinta-feira, dia 23 de Maio



Luiz Silva
Já publicado no blogue parceiro ESQUINA DO TEMPO, este texto de Luiz Silva é agora republicado a seu pedido no PRAIA DE BOTE. Nunca é demais repetir boas e sentidas memórias sobre os que fizeram e fazem o nosso Mindelo.

Mindelo, “terra de B.Leza e de Selibana” (Jotamont) está de luto. Poderíamos, sem medo de desmentido, acrescentar também o nome de «terra de Ofélia», crioula bonita e amada pelo povo das Ilhas e costas que encantou as noites de lua cheia do Mindelo com as suas célebres noites cabo-verdianas com Cesária, Fantcha, Malaquias, Canhota, Chico Serra, Manecas Matos, Djosinha de Bernarda, Luís Morais, Frank Cavaquinho, Manuel d'Novas, sob o olhar atento dos poetas e compositores nacionais e de emigrantes ávidos de matar saudades da terra crioula e da sua cultura...

Uma mulher da diáspora cabo-verdiana que, após longa luta no estrangeiro, regressou à terra para participar no seu desenvolvimento económico e cultural. Ofélia, proprietária do Bar Calipso em Dakar e Mindelo, viveu desde a infância ligada à música. O tio Hilário, autor da morna Odji Magoado e pai do Ildo Ramos, guitarrista (este muito ligado ao Ti Goy no Lombo),  acompanhou B.Leza, na sua digressão musical a Portugal, em 1945, ao lado de Tchuff e Eddy Moreno. O irmão Djosinha Ramos, futebolista no Grémio Recreativo Castilho e um dos maiores guitarristas que passou por Dacar, onde faleceu, também marcou a história musical cabo-verdiana. A irmã Alda é também uma figura conhecida em Mindelo e na diáspora cabo-verdiana. Ofélia e os irmãos emigraram para o Senegal nos meados dos anos cinquenta, onde, a punho do seu trabalho,  aquela abriu um bar-restaurante que acolhia os patrícios recém-chegados com a música cabo-verdiana a animar o ambiente.

Ofélia Ramos
Ela nasceu e cresceu em Chã de Cemitério, onde o respeito pelas pessoas mais velhas era sagrado. O Castilho era o club de futebol da zona e ali se praticava o ténis, o basquetebol e também o teatro com o Valdemar Pereira, Germano Gomes e outros. A sua família era muito solidária e em Dacar Ofélia nunca se esqueceu de nenhum sobrinho ou algum parente, enviando-lhes sempre encomendas quando aparecia um barco com destino a São Vicente. Coração de rola a mais sentida (Januário Leite) sempre tinha um sorriso franco e uma alegria extasiante para receber os amigos e clientes.

Hoje, poucos estudiosos e interessados na história da nossa honrosa emigração se debruçam sobre o papel importante dos emigrantes no Senegal, onde a mulher cabo-verdiana em especial, a primeira africana a emigrar livre seja para as Américas ou para o Senegal, teve um papel determinante na solidariedade para com o povo das ilhas. Essa emigração, que começou no século XIX, foi interrompida em 1902 pelo governo colonial português, com o fim de beneficiar os roceiros de São Tomé e Príncipe. Para isso, foi imposta a obrigatoriedade de se possuir um passaporte para viajar para o Senegal, onde a mão-de-obra cabo-verdiana era preferida por ser o cabo-verdiano o único africano da África Ocidental a trabalhar a pedra. Esta decisão foi combatida heroicamente por Eugénio Tavares e Sena Barcelos em 1902 e, mais tarde, a partir de 1911 no jornal “Voz de Cabo Verde”, por Eugénio Tavares, Abílio Monteiro de Macedo e Pedro Monteiro Cardoso. Quando “se fechou as portas à nossa expansão” (Jorge Barbosa) para a América em 1924, foi graças aos nossos heróicos capitães de ilhas e costas, como Alberto e Crisanto do navio “Novas d'Alegria” (desculpem-me por não me lembrar de outros nomes), que do Senegal chegava quase tudo para a sobrevivência do povo das ilhas. 

Face ao abandono do Porto Grande, à repressão política nas empresas e à censura colonial, emigrar clandestinamente para Dacar nos anos quarenta e cinquenta era a única resposta política ao sistema colonial português. Dacar era a única alternativa para se evitar o longo calvário das roças de São Tomé. E era clandestinamente que homens e mulheres partiam, dos portos e burgos do litoral de São Vicente, como Calhau, São Pedro e Palha Carga, para Dacar em navios como “Santa Rita”, “Santa Luzia”, “Novas de Alegria”, “Ernestina”, “Ildut” e outros.

A emigração nunca foi um acto de evasão ou abandono. Ela foi a estratégia pensada pelo povo das ilhas para arrancar a nossa terra-mãe das garras das secas e fomes e da colonização. Tanto Campinas, emigrante na Argentina e o herói do romance Famintos de Luís Romano, assim como José de Lima, emigrante nos Estados Unidos e o protagonista do romance “Chiquinho” de Baltasar Lopes, tiveram de emigrar para se prepararem para o combate libertador da sociedade cabo-verdiana.

A abertura do caminho marítimo para a Holanda, que pôs definitivamente termo ao caminho de São Tomé e abriu novas perspectivas para o desenvolvimento de Cabo Verde, veio diminuir a importância do Senegal na vida económica e cultural de Cabo Verde. Não obstante, nunca é demais lembrar que não se deve ignorar o grande contributo dos emigrantes cabo-verdianos de Dacar de onde, a partir dos anos sessenta, começaram também a emigrar para a França, Holanda e Estados Unidos.

A emigração é uma necessidade psicológica para o cabo-verdiano. Ele precisa de ultrapassar o limite das ilhas para ver o Mundo com os próprios olhos e viver as suas próprias experiências para depois as transmitir ao seu país. Assim recomendava o mestre António Aurélio Gonçalves, sem dúvida, o cabo-verdiano que melhor se realizou como escritor.

A emigração tem estado em todas as lutas por Cabo Verde: contra as secas e as fomes, para a independência e também pela democracia. Merecia melhor reconhecimento da Nação e dos seus políticos que sabem exigir mas que não dão aos emigrantes direitos iguais aos dos cidadãos residentes no país. E hoje a emigração aposta na luta pela Regionalização, pois todo o combate por uma maior justiça social e económica lhe diz respeito. A política de emigração actual peca pelo excesso de centralismo e o medo da democracia plena (regional e nacional) manifesta-se ao nível do Conselho das Comunidades.

Na homenagem ao Djosinha de Bernarda, realizada no passado dia 11 de Maio em Rotterdam, falámos muito da Ofélia e da amizade entre ambos. O Djosinha estava sempre presente nas noites cabo-verdianas no bar da Ofélia durante as suas férias em Cabo Verde. Por essa ocasião, relembrámos também outras figuras da nossa emigração, heróis do povo, ignorados pelos Municípios e o Governo que, por falta dum verdadeiro inventário sobre as figuras proeminentes da nossa diáspora e em especial dos fundadores das comunidades, estão excluídas da História de Cabo Verde.

A morte da Ofélia foi sentida em toda a diáspora. A história da nossa emigração nunca esquecerá a nossa Ofélia, filha da terra de B.Leza e Selibana, coração do povo. A uma rua ou avenida devia ser dado o seu nome. Uma placa devia ser fixada nas paredes do Bar Calypso, em testemunho da amizade e reconhecimento do povo do Mindelo e dos emigrantes.

Paz à tua alma Ofélia. Que os anjos te recebam com hinos inspirados das mornas de amor de Eugénio Tavares, B.Leza, Jotamont, Manuel de Novas e Frank Cavaquinho. O teu nome fica inscrito nas nossas memórias como uma das grandes figuras que lutaram pela sobrevivência da morna e da cultura mindelense.

Luiz Silva


sábado, 25 de maio de 2013

[0467] PRAIA DE BOTE noutras escritas...

...preparando três palestras e dois artigos. Entretanto, os nossos leitores sempre se podem ir entretendo a comentar o longo e informativo texto do post anterior, onde se desenterra das profundas da memória a figura de um bom cabo-verdiano. Até breve!...


sexta-feira, 24 de maio de 2013

[0466] Biografia de Leão dos Santos Lopes, um cabo-verdiano na América - Biography of Leo Lopes, a Cape Verdean in America


Crónica de Março e Abril.2013. No "Terra Nova" esta crónica foi dividida em duas partes, devido à sua longa extensão. Clique nas imagens para poder vê-las melhor.

O “EXCELENTE CAVALHEIRO” LEÃO ‘LEO’ LOPES, PRESTIGIADO CABO-VERDIANO NA AMÉRICA

A primeira vez que damos com Leão dos Santos Lopes (1) é em 1 de Julho de 1920 (2), quando lhe faleceu a filha Marta de cinco anos (3) em Pawtucket, Rhode Island, onde residia. Era nessa altura casado com Maria Lopes, provavelmente também originária das ilhas, de quem não conseguiremos saber mais nada. Mas em Junho de 1923 (4), também o encontramos, em anúncio da sua loja, a Mercearia Portuguesa, na Hamilton St., 42, Pawtucket. Ali se “[vendia] tudo quanto [havia] de bom e barato no género de latas de conserva, sardinhas portuguesas, carne, etc., etc.” Volta a surgir-nos no ano seguinte, quando a Direcção do Clube Republicano Português da mesma cidade agradece a 44 sócios incluídos numa lista de doadores os contributos para a continuação do levantamento do edifício da sua sede (5). Leão ofereceu 200 dólares, sendo dos 44 o quinto a dar maior quantia, apenas superada por outro com 500, dois com 650 e um com 1000 dólares. Ainda em 1924, é membro da Comissão de Angariação de Fundos de Central Falls  (6)para o levantamento do Monumento aos Mortos da Grande Guerra de Lisboa.

Em princípios de Outubro de 24 e em semanas seguintes, dirige-se através do Alvorada Diária (7) à colónia cabo-verdiana na América informando que irá a Cabo Verde no paquete Roma e que estará à disposição dos conterrâneos para os representar e ajudar nos trâmites da viagem: “Se desejais ser bem representados, tanto na ida como na volta da viagem à nossa terra a bordo do vapor Roma que sai de Providence em 30 do corrente, procurai, quanto antes, o vosso patrício Leão dos Santos Lopes, que foi devidamente autorizado a representar-nos durante essa viagem. Se alguma reclamação tiverdes a fazer, sereis bem atendidos e tereis alguém que vos defenda os interesses. Eu sou cidadão americano e estou a par das leis de imigração, etc. Procurai-me, quanto antes, no n.º 46, Hamilton St., Pawtucket.” Temos assim que nesta altura, Leão Lopes parecia já estar perfeitamente instalado na sociedade americana e que a sua actividade se desenrolava na agenciação de imigrantes. Mas nem todos os cabo-verdianos nos States tinham essa sorte. A um António Lima que chegara aos Estados Unidos por volta de 1921, o destino aziago fez-lhe contrair doença que o atirou para a mesa de operações do Saint Luke’s Hospital e depois para o Sanatório da Caridade, sendo então recolhido por um primo. Incapaz para o trabalho, teve de voltar a Cabo Verde. Sabendo do caso, Leão Lopes lançou com a ajuda do jornal A Alvorada uma campanha de angariação de fundos para que o pobre homem pudesse regressar à terra no mesmo vapor em que ele também seguiria, como já vimos. O autor da ideia doou cinco dólares para o efeito e logo no primeiro dia a colecta chegou aos 22 (8). Não sabemos se António Lima sempre seguiu no Roma mas Lopes fê-lo (9), a 30 de Outubro. Nesse dia o navio saiu de Providence para São Vicente, via Madeira e como dizia o Alvorada Diária, nele “seguiu o nosso amigo e sócio  (10) sr. Leão dos Santos Lopes, cavalheiro verdadeiramente estimado pela Colónia Portuguesa. (…) estará de regresso em Março ou Abril próximo a bordo do mesmo vapor ou outro da acreditada companhia Fabre Line de quem levou recomendação para a agência de São Vicente para que durante a visita à sua terra natal possa angariar o maior número de passageiros possível. Já por o grande número de amigos que consigo levou e também por o seu grande conhecimento, estamos certos que a companhia Fabre nada perdeu com o que fez a tão excelente cavalheiro. Esperamos que o sr. Lopes encontrará todos os seus com saúde, que ansiosos o esperavam há uns 16 anos e fazemos votos para que na sua curta estada possa adquirir igual número de amigos como os que actualmente conta nos Estados Unidos. Embarcaram 32 passageiros que compraram os seus bilhetes na agência de S. Oliveira & Co., assim como muitos outros que por certos motivos imprevistos os compraram em outras agências.”

Aparece por engano de letra inicial de “Leão” no DN de 7 de Setembro de 1939 (11), confundido com Peão Lopes, escultor e cineasta de Moçambique. Mas fala-se dele de novo em 1941, a propósito da conclusão pelo filho “do nosso assinante” Artur Leão Lopes do curso da Cook Grammar School no mês anterior. O jovem matricular-se-ia no Liceu no Setembro seguinte e em Julho de 1942 visitou as instalações do DN em New Bedford, na companhia do pai (12), morador em Hamilton St. – mesma rua da sua loja, mas no 59, como se informava na notícia que dava conhecimento da visita de ambos. Note-se que Leão Lopes era muito considerado pelo jornal, tendo-lhe sido dado o devido destaque quando felicitou o periódico pelo 25.º aniversário – o que só aconteceu com o secretário do Mayor de New Bedford e poucos mais (13).

Entretanto, cria novo estabelecimento, chamado Gold Key Café (assim mesmo, com acento à portuguesa, ou abreviado como The Key), nos números 59-61 da Hamilton St. – ao que supomos, nos baixos da sua residência, a qual, como vimos, se situava no 59. O Gold Key dura vários anos. Dele encontrámos uma série de notícias e anúncios. O primeiro é de Dezembro de 1943 (14) e destinava-se a dar as “Boas Festas e um feliz Ano Novo a todos os seus clientes, amigos e Colónia Portuguesa em geral”, para além de anunciar bebidas finas e cervejas de primeira qualidade como apanágios da casa. Em Maio de 1944, outro anúncio dizia que no The Key se podia matar saudades de Cabo Verde, indo ali “ouvir as mornas acompanhadas de boa música” (15). Os restantes anúncios seguem a linha destes dois. A 27 de Março de 1947, no DN (16) iniciava-se um novo espaço intitulado “O que vejo e sinto em Rhode Island”, da autoria de Manuel Borges. Entre outras curiosidades que divulgava da terra, dedicava algumas linhas a Leão Lopes e ao seu café: “O sr. Leo Lopes, proprietário do Gold Key Café, de Pawtucket, disse-nos que um português esta semana comeu um pão com uma libra e meia de carne, numa sandwiche, no seu estabelecimento, como se nada fosse! Não sei quanto o freguês pagou por tal sandwiche, mas o que sei é que se fosse ao preço da tabela do restaurante onde ontem jantei, semelhante iguaria custava-lhe ‘50 pesos’, visto eles terem-me levado 70 cents por umas ‘nisquinhas’ de carne que quase se perderam antes de chegarem à base do estômago…”. Em Dezembro de 1953 (17) o Gold Key já não lhe pertencia mas sim a outros dois indivíduos: seu irmão Isidro (ou Isidoro) (18) Martins e Alexandre Alves.

A 23 de Outubro de 1944 casou-se sua filha Dorothy, na igreja de Saint Anthony, em Pawtucket (19), com Frank Francisco, tripulante da marinha mercante. Dado o interesse do curioso relato da festa como memória social, ele aqui se reproduz na íntegra, com ligeiras adaptações: “Depois da cerimónia nupcial, os noivos e padrinhos dirigiram-se ao Clube Social Português (20), no 208 de Pleasant St., onde estava tudo preparado para os receber, bem como aos seus convidados, aos quais foi servido um pequeno lanche. Tanto o salão nobre do clube como a cave estavam enfeitados a primor, vendo-se no centro sobre uma mesa um grande queique (21) que depois foi cortado e distribuído por todos os convidados. De tarde foi servido lauto jantar aos noivos e convidados, que decorreu num ambiente alegre e com grande animação. Foram levantados vários brindes em inglês, desejando as maiores felicidades aos noivos. Como o noivo se achasse bastante comovido, o pai da noiva e nosso amigo sr. Leão Lopes agradeceu a todos os presentes a sua comparência à cerimónia, falando este senhor na língua portuguesa. Houve dança durante a noite, com música pela Cape Verdian Serenaders Band (22), durando a festa até às duas horas da madrugada. Não publicamos os nomes dos padrinhos, pelo facto de os ignorarmos. A mãe da noiva é a sr.ª Palmira Barros Lopes e o pai o sr. Leão Lopes, de 93, Hamilton St. (23) e os pais do noivo são os srs. John Joseph e Carlota Joseph de New Bedford, Mass.” Deduzimos deste saboroso relato que parte substancial dos convidados seria de origem portuguesa (daí a língua utilizada no discurso de Leão Lopes) e que se terá ouvido e dançado durante a festa alguma música das ilhas tocada pela banda cabo-verdiana.

No mês seguinte, está de novo no Clube Social Português, desta vez sentado a uma mesa, na companhia do amigo George Monteiro, tripulante de navios da marinha mercante americana, e de um jornalista do DN, a quem apresenta aquele. A conversa desenrola-se entre copos de vinho do Porto e versa as agruras que o marinheiro já sofrera durante a guerra, nomeadamente o afundamento de um barco de cuja equipagem fazia parte, torpedeado por um submarino japonês. Na altura deste encontro já fora condecorado pelo Governo americano com quatro Combat Ribbons, uma Silver Star e uma Torpedo Pin. Amigo de Leão e de apelido Monteiro, faz-nos supor que seria de origem cabo-verdiana, embora o mesmo também seja comum entre os naturais da então Metrópole (24).

Leão Lopes faz uma longa viagem a Lisboa, Cabo Verde e Brasil, em 1947 (25). Fica algumas semanas na capital do Império, para depois seguir para a terra natal e para o Rio de Janeiro, onde vivia seu irmão Francisco José Vera-Cruz (26). No regresso aos Estados Unidos, quatro meses depois, dá uma muito curiosa entrevista ao DN (27). O nosso homem havia casado novamente entretanto, ao que supomos, em Cabo Verde. De qualquer modo, a segunda esposa era a cabo-verdiana Antonieta Oliveira Freitas, neta do capitão Freitas Miranda, natural de São Vicente (28). Este casamento põe uma interrogação sobre quem era a mãe dos dois filhos de Leão Lopes – talvez a sua primeira esposa, apenas uma vez citada e eventualmente falecida anos antes. Contudo, o que sobreleva nesta entrevista é a tomada de consciência do comerciante sobre os aflitivos males da sua terra que expressa ao jornal com a contundência que a situação de facto merecia: “Cabo Verde sofre actualmente uma das suas maiores crises económicas. É certo, sim senhor, morre-se por lá à míngua. Eu fiz o que pude, mas que é uma gota de água no oceano? O Governo central em Lisboa aprovou a verba de algumas dezenas de milhares de contos para acudir ao povo daquele arquipélago, mas receio que será assim mesmo tarde para evitar que a gente de Cabo Verde se não tuberculize e continue a morrer em número poucas vezes atingido. Todo o auxílio que daqui possamos mandar para as ilhas de Cabo Verde, é lá recebido com lágrimas nos olhos e muito apreciado, mas o socorro a prestar é de tal magnitude que só o Governo de Lisboa pode e deve tomar à sua conta.” Lopes aproveitava ainda para criticar a vida lisboeta pela “vida ociosa de rico que parte dos habitantes [levava] na capital”…

Em Fevereiro de 1950 o DN (29) apelida-o de “distinto cabo-verdiano e abastado comerciante desta praça”, a propósito do pagamento da assinatura do jornal com 15 dólares, mais que o necessário, o que repetirá em outras ocasiões, sempre assinaladas com ênfase pelo periódico. E no final do ano, o seu é um dos maiores donativos (cinco dólares) para a obra dos órfãos do Padre J. Alves Correia (30). Chega a ir entregar pessoalmente o habitual donativo no jornal, com receio de que se tivessem esquecido de lho pedir (31). Também em Dezembro, são divulgadas novas afirmações suas, desta vez sobre a difícil integração de trabalhadores portugueses nos Estados Unidos da América (32). António Pires, correspondente do DN, no texto Continua em progresso a comunidade portuguesa de Pawtucket, R.I., dava assim conta das palavras deste importante membro da comunidade local: “Dando à conversa aquele toque de originalidade que lhe é peculiar, o sr. Leão Lopes, compatriota cabo-verdiano, oriundo da ilha de Santo Antão, historiou-nos com grande soma de pormenores, aqueles primeiros tempos em que os portugueses começaram a assentar arraiais por estas paragens. Disse-nos da desconfiança e algum desprezo com que éramos olhados pela população nativa, que via em nós ‘uma espécie de vaca inferior’. O sr. Leão Lopes tivera sempre uma fé inabalável no triunfo dos portugueses, especialmente depois de uns quinze anos a esta parte ‘em que tivera um sonho’ e nesse sonho mr. Lopes vira os portugueses ‘senhores de Valley Falls’…”

Recebe em Setembro de 1951 (33) a visita do cunhado António Freitas Miranda que viera do Mindelo, via Lisboa, de avião. Vive agora na High St (34). E em Dezembro do mesmo ano é um dos seis cidadãos de Pawtucket, entre 27, que mais colaboram na obra social do Padre Alves Correia, doando cinco dólares (35). Morto este, Leão continuará a colaborar na obra Florinhas da Rua que tem agora em Pawtucket como dinamizador António Pires, correspondente do DN, que já conhecemos. No início do ano seguinte, a esposa obtém a cidadania americana (36). Em Junho de 1956 recebe a visita da cunhada, Ilda Mendes dos Reis, casada com Armindo Mendes dos Reis, farmacêutico e primeiro-enfermeiro do campo de concentração do Tarrafal. Este estava em Lisboa, “para onde fora, à procura de alívio para a sua doença”. Da capital portuguesa viera a senhora, que contava demorar-se em Pawtucket alguns meses, para rever a irmã e conhecer o cunhado (37).

Em 18 de Outubro de 1956, na primeira página, o Diário de Notícias divulga mais um contributo de Leão Lopes, desta feita para um Museu da Imigração (38) que se pretendia concretizar em Nova Iorque. A subscrição já contava 1165 dólares, 10 dos quais tinham sido então oferecidos pelo cabo-verdiano. Dizia o jornal: “Como só ao contrário seria de estranhar, o sr. Leão Lopes, de Pawtucket, não podia falhar nesta subscrição para o Museu de Imigrantes, a erigir na base da Estátua da Liberdade, em New York. Para muitos dos nossos, isto será uma coisa sem importância; mais um racket, para assaltar as nossas algibeiras. Porém, o sr. Leão Lopes, nome familiar nesta casa, que nunca deixa de comparecer quando tocamos a reunir, o facto representa alguma coisa. Se ele contribuiu de sua livre vontade, é porque encontrou mérito na iniciativa. Bem-haja o distinto cabo-verdiano sr. Lopes e todos quantos sentem como ele. Por isso, para ele vão os agradecimentos, em nome da comissão do Museu (39).” Temos assim aqui, desta feita, um homem preocupado com a preservação das memórias de uma  era e da vida colectiva dos imigrantes que, como ele, haviam demandado a miragem americana.

É motivo de mais um elogio em 1957 por continuar a dar o seu contributo monetário às Florinhas da Rua: “Na nossa lista dos amigos das Florinhas desta semana, não podemos deixar de nos referirmos ao distinto cabo-verdiano sr. Leão Lopes, hoje respeitada figura do nosso meio e uma das pessoas mais popularmente conhecidas entre os portugueses desta cidade. (…) Quando acha que demoramos a bater-lhe à porta, cá nos aparece o sr. Lopes, sendo portador daquele costumado chequezinho da conta redonda de $5.00, com que vem contribuindo todos os anos… (40)”

No final de 1958 morria-lhe o irmão Claudino Lopes, com 62 anos, residente em Blackstone St., 18. Era natural de São Vicente e vivera muitos anos em Wonsocket mas nos últimos quatro fixara-se em Pawtucket. Deixava viúva Louise Lavallee, dois filhos, Wilfred e Alberto, uma filha, Mrs. Marcel Baril, e quatro netos. Na mesma notícia se indicam dois irmãos, Isidoro Martins (como vimos, um dos donos do seu antigo Gold Key Café) e Max dos Santos. Esta mistura de apelidos indicia óbvios casamentos entre gente que sabemos ser de origem cabo-verdiana e americanos mas também que entre eles havia filhos do mesmo pai e mães diferentes ou vice-versa… (41)

Por altura de Fevereiro de 1962, o comerciante está debilitado, retido em casa. Era na altura um dos residentes mais antigos de origem cabo-verdiana de Pawtucket e também um dos mais longos assinantes do Diário de Notícias de Rhode Island. A 4 de Abril o DN dedicava-lhe espaço de primeira página para noticiar o seu falecimento, de ataque cardíaco. O velho imigrante, que nascera em 1 de Novembro de 1886 (42) e morrera com mais de 75 anos no dia 2, vivera nos últimos tempos dos rendimentos. O funeral realizou-se no dia seguinte, com missa de corpo presente na igreja de St. Anthony e foi enterrado no Saint Mary’s Cemetery, em Pawtucket.

Chegava assim ao fim uma vida (aqui tratada com a profundidade possível), recheada de empreendimentos comerciais vários e amor à “terra longe” e à benemerência, de que foi devotado cultor até ao fim dos seus dias. Pessoa assaz respeitada em Pawtucket, Leão Lopes ficou como significativo exemplo de cabo-verdiano que procurando no estrangeiro o modo de vida compensador que na terra natal lhe era negado, conseguiu triunfar através de trabalho honesto e obter o apreço e admiração dos que com ele conviveram.

NOTAS


[1] Mais conhecido por Leão (ou Leo) Lopes. O artista plástico, cineasta e professor universitário cabo-verdiano Leão Lopes, questionado sobre a sua eventual ligação a esta figura, informou que não existe nenhuma relação de tipo familiar entre ambos.

[2] Alvorada Diária, p. 2.

[3] A criança sucumbiu a doença que o jornal não especifica e que durou apenas nove dias.

[4] A Alvorada, 21.06.1923, p. 1. O anúncio repete-se a 27.06 e a 05.07.

[5] Este clube procurava “pugnar com afinco pelo bem da colónia portuguesa em geral e tornar cada vez mais respeitado o nome português [na] jovem e florescente República (…) e o prédio em construção [destinava-se] a servir de foco de instrução dos [descendentes portugueses] ”.

[6] A Alvorada, 16.09.1924, p. 4.

[7] Alvorada Diária, 03.10.1924, p. 3.

[8] A Alvorada, 09.10.1924, p. 4.

[9] A Alvorada, 06.11.1924, p. 5.

[10] O texto anónimo é da autoria do açoriano Guilherme M. Luiz (ou por ele mandado escrever), agente da Fabre Line na sua New England Portuguese General Passenger Agents, no 634 da Pleasant St., New Bedford, Mass. e longo dono do jornal.

[11] P. 3.

[12] DN de New Bedford, 22.07.1942, p. 2, (seguidamente sempre DN – não confundir com o Diário de Notícias de Lisboa).

[13] DN, 06.05.1944, p. 1.

[14] DN, 18.12.1943, p. 8.

[15] DN, 03.05.1944, p. 15.

[16] P. 2.

[17] DN, 15.12.1953, p. 8. A última vez que encontramos o café como pertença de Leão Lopes é no DN de 16.12.1952, p. 8.

[18] Designado por Izidro (sic) e por Isidoro, no mesmo jornal… O parentesco é apontado em DN, 20.11.1958, p. 3.

[19] DN, 30.10.1944, p. 4.

[20] O clube ainda existe.

[21] Óbvio aportuguesamento de cake (bolo).

[22] A Cape Verdian Serenaders Band tocava em eventos e ocasiões especiais, tal como outras bandas de imigrantes: os B-29s, os Creole Vagabonds ou a Don Verdi Orchestra, por exemplo, que tanto tocavam os swings da época como arranjos de músicas crioulas. A este propósito, ver BROUGHTON, Simon e ELLINGHAM, Mark - Rough Guide to World Music Volume One: Africa, Europe & The Middle East, ed. Rough Guides, Londres, 1999.

[23] Os números de porta iam mudando (ou eram vários ao mesmo tempo), mas percebe-se que a actividade de Leão Lopes se desenrola durante décadas nesta mesma rua, bem como era ali o seu local de residência.

[24] DN, 03.11.1944, p. 6.

[25] DN, 10.09.1947, p. 2.

[26] Este, por ocasião da morte do comandante cabo-verdiano Francisco Lopes [desconhecemos em que circunstâncias], fizera o seu elogio fúnebre. É estranha a diferença de apelidos dos dois irmãos – a qual se poderá dever a não serem ambos filhos do mesmo pai ou da mesma mãe.

[27] DN, 15.05.1948, p. 1.

[28] Em A União Portuguesa, de São Francisco, Cal., de 19.11.1896, p. 1, surge-nos um capitão Freitas Miranda como comandante do vapor Bolama que proveniente de Lisboa ardeu na Praia nesta altura, tendo-se salvado todos os tripulantes. Ali, Freitas Miranda é dado como sendo natural de São Nicolau. Um outro capitão de apelidos idênticos e também cabo-verdiano, João de Freitas Miranda, aparece no DN de New Bedford de 16.03.1937, p.7, salvo pelo vapor holandês Bra-Kar, quando o seu navio, o lugre Algarve III da praça de Portimão (Portugal) se afundou em 24 de Janeiro desse ano, devido a forte temporal.

[29] DN, 08.02.1950, p. 5.

[30] DN, 14.12.1950, p. 1.

[31] DN, 24.11.1954, p. 3.

[32] DN, 18.12.1950, p. 1.

[33] DN, 06.09.1951, p. 4.

[34] No 228, como se indicará no DN, 29.11.1956, p. 3.

[35] DN, 04.12.1951, p. 2.

[36] DN, 07.02.1952, p. 3.

[37] DN, 28.06.1956, p. 3. Ilda Mendes dos Reis regressou a Lisboa no Saturnia, por volta de Novembro desse ano. Lá se reuniria com o marido, para depois seguirem para o Tarrafal onde o enfermeiro retomaria “as suas funções de primeiro-enfermeiro no Corpo Médico ali estacionado” – DN, 29.11.1956, p. 3.

[38] O museu concretizou-se em Ellis Island, em edifício restaurado, da autoria dos arquitectos Edward Lippincott Tilton e William Alciphron Boring, cujo desenho recebeu a medalha de ouro na Exposição de Paris de 1900. Fechada a Ellis Island Immigration Station em 1954, o equipamento acabou por albergar anos depois o Immigration Museum.

[39] Segundo anunciava o jornal, o Museu iria ter uma referência especial no famoso show televisivo de Ed Sullivan que aconteceria no domingo seguinte.

[40] DN, 12.12.1957. p. 3.

[41] DN, 20.11.1958, p. 3.

[42] DN, 31.10.1951, p. 2.


[0465] Direitos humanos em Cabo Verde: uma excelente notícia


Leia notícia AQUI.

quinta-feira, 23 de maio de 2013

[0464] Emblemas na chaminé do "Shell Matiota"/"Encrespado" - VER POST ANTERIOR

Repare-se que o emblema da chaminé na imagem de cima é o da Shell e na foto mais recente o da Lisnave.

Shell
Lisnave

[0463] O rebocador "Shell Matiota"

O "Shell Matiota" no Porto Grande, com o cais acostável em fundo, pelo que a foto deverá ser posterior a 1961
Era um bicho imponente, forte e destemido. A sua silhueta era inconfundível, fazendo do cais da Shell poiso predilecto. Com 136 toneladas, fora construído em 1929 nos estaleiros IHC Gusto Engineering, em Schiedam, Holanda. 

Primeiro, chamou-se "Matiota", até 1953. Depois, ao que supomos por ter sido adquirido pela Shell, tomou até 1973 o nome pelo qual foi mais conhecido, "Shell Matiota". Mas num dia desse ano, alguns trabalhadores cabo-verdianos dos estaleiros da Lisnave (Gaslimpo) que o conheciam do Porto Grande, devem ter ficado bem surpreendidos quando o viram rasgar as águas do Tejo ao serviço da sua empresa, desta feita com o nome de "Encrespado". E foi com essa designação que o velho rebocador terminou os seus dias, no início da década de 80, sendo considerado o último do porto de Lisboa a trabalhar a vapor. Um feito, para o "Matiota-Shell Matiota-Encrespado", que durou cerca de meio século e cruzou águas de dois continentes mas de apenas um oceano.

O "Encrespado", em serviço no Tejo - Foto de Luís Miguel Correia



quarta-feira, 22 de maio de 2013

[0462] Fábrica Favorita, da família Matos, o que foi e o que será...

Ler notícia, AQUI
 Puxa que puxa, próximo post versará o velho rebocador "SHELL MATIOTA", já desaparecido, deitando para os ares da baía o seu vapor de steamboat. Lembram-se? 

[0461] Navalhas vindas de Dacar

A stóra de hoje é menos fundamentada, pois contém algumas “brancas” devido à longa passagem do tempo. Mas é mais ou menos isto:

Cape Vert, Dakar
Algures por 1963-64, um dos barcos do armador Henrique Ferro fez uma viagem a Dacar. Talvez tenha sido o “Carvalho”, pois ele só adquiriu o “Nauta” mais tarde, segundo creio. Mas seja um ou o outro, um deles fez a viagem e parece-me que naquela altura apenas uma vez. Lembro-me que se tratava de grande aventura e o nosso amigo estava preocupado com o que de mal podia acontecer ao seu querido navio. E sublinho o “querido”, pois este homem amava de facto os seus veleiros e vivia os seus perigos como se de pessoas da família se tratasse. Isto chegava ao ponto de querer ter casa em sítio de onde pudesse avistar a baía, para poder controlar as suas chegadas e partidas sem ter de descer à Praia de Bote.

Henrique Ferro "Firrim"
O barco lá foi e lá veio, afinal sem novidade, não recordando eu que mercadorias trouxe (tenho uma vaga ideia que entre outros produtos trazia tapetes de parede com os célebres motivos do rapto da princesa e também de leões que toda a gente tinha em casa, nessa altura) e levou para aquele outro Cabo Verde ou “Cape Vert”, de onde saiu o nome das nossas ilhas, e onde se situa a capital senegalense, a 580 km delas…

O que é certo é que dias depois, indo eu a caminho do Liceu, encontrei o Firrim perto da bomba da Shell. Cumprimentámo-nos e nisto ele rapa do bolso três caixinhas de cartão, cada uma aí com uns 10 cm e passa-mas para a mão muito discretamente, dizendo:  “Toma lá esta oferta, mas cuidadinho em como vai usar isto que só deve servir para descascar fruta ou coisas assim, ouviste?” Agradeci, sem saber o que seria a prenda, lá continuei para o Gil Eanes, mas ali por altura do plurim de virdura não resisti e abri uma das caixas. Tratava-se de lindíssima navalha, toda em metal, em cuja folha estava escrito “108 GIRODIAS”. Em casa, verifiquei que as outras duas tinham o cabo em plástico branco mas eram igualmente muito bonitas, sobretudo por causa do feitio da folha acabada em ponta de alfange ou cimitarra (a chamada lâmina turca). 


Essas três navalhas, andaram aqui por casa muitos anos, sempre sendo usadas nisto e naquilo, até que só restou uma. Talvez ainda a tenha algures, mas não a encontrei para a poder fotografar. Porém, como a Internet tem tudo, fui à caça e lá encontrei o objecto (exactamente igual) e a sua história, que desconhecia. Só não consegui encontrar foto da que tinha cabo de metal (dourado)

A marca foi criada em 1889 (também encontrei a data de 1793 como data da fundação da fábrica que depois a criou), en Thiers, no Puy-de-Dôme, França, por Jean Baptiste Girodias Chabrol e por seu filho Pierre Louis Girodias Farton. Vim também a saber que este modelo era feito especialmente para venda em Espanha e no Magrebe (daí aquele aspecto da lâmina).

Memórias de um tempo perdido, que devo a excelente e saudoso amigo que se estivesse vivo faria este ano o seu 100.º aniversário. Talvez o nosso também bom confrade e colaborador Val saiba dizer alguma coisa sobre o tema, já que viveu longa e proveitosa temporada em Dacar. Veremos…

terça-feira, 21 de maio de 2013

[0460] Concurso 15: e a resposta certa é... "Manelica"!

"Manelica", no cais acostável de São Vicente, foto de Eduardo Camilo, anos 70. Ora vejamos a explicação das ajudas/dicas lançadas:

1 - Menina  claro, pois era "Manelica", nominha feminino.

2 - A particularidade da popa é que era ali que ia o bote de serviço, pendurado dos turcos (que na foto se vêem muito bem), coisa que não era frequente nos barcos locais.

3 - A minha amiga de nome parecido era a Manuela Manjua (Manuela parecido com "Manelica"... filha do pescador algarvio Manuel Manjua que trabalhou para a Frigorífica), representante de Cabo Verde (ou de Portugal) ao concurso Miss Young Intrnational 1973 (próximo da data em que esta foto foi feita) que se realizou em 10 de Agosto desse ano no Meiji Shrine Park, em Tóquio, Japão.

4 - O José ... Lopes. Por documentação que possuo, pelo menos em Fevereiro de 1967 o "Manelica" era propriedade do armador José Manuel Lopes e nessa altura iniciou viagens do Sal para a Praia, carregando sal que era depois exportado para a Guiné. Segundo o Zeca Soares, também houve época em que só fazia transporte de combustíveis. Desconheço no entanto se na altura do desastre de que falaremos a seguir, José Manuel Lopes ainda era o proprietário do "Manelica".

5 - O abalroamento. Era garantido que, quando arribava algum barco de guerra ao Porto Grande, se eu não me encontrasse no Liceu, estava com o meu pai no cais acostável à espera dele. Pela sua condição de patrão-mor e por ser amigo de muitos dos sargentos que vinham a bordo, ele não falhava cada chegada... nem eu.

Naquele dia de (1964... 1965?) esperava-se uma fragata e nós lá fomos, como de costume. O navio entrou no porto, dirigiu-se para o cais acostável, tudo fazia prever uma manobra simples, mas a verdade é que o vaso de guerra ao fazer a aproximação para a acostagem, enfiou a proa no "Manelica", destruindo o bote de serviço e danificando um pouco da amurada de ré.

Culpas? Não as sei especificar (nem isso interessa agora para o caso), pois tanto podiam ser do comandante, como do imediato, como do mestre - o qual, como é de regra, vinha à proa com mais alguns marinheiros, membros da guarnição que têm responsabilidades acrescidas nessa manobra - ou muito simplesmente do destino manhoso que anda sempre agregado às coisas da marinha. O que interessa é que o bote ficou completamente esfrangalhado. E na falta de um semelhante disponível na fragata para substituição, foi oferecida ao dono do "Manelica" uma chata simplória que era utilizada nas pinturas do casco da fragata mas que para o senhor não servia para nada nem se adaptava os turcos do seu veleiro. Não a aceitou. E assim, a chata lá ficou meses no pátio da Capitania, junto ao portão do cais das lanchas (daí eu dizer ao Zeca Soares que o ex-marinheiro e depois polícia-marítimo Virgílio Pina, nosso amigo, se lembraria da coisa) e não sei como se resolveu o assunto. Sei sim que o Capitão dos Portos da altura, José Manuel Torres Grincho, homem de grande estatura profissional e que deixou saudades nos cabo-verdianos que com ele conviveram (nomeadamente pilotos, polícias-marítimos e marinheiros da Capitania), não gostou da história e interferiu nela - penso com quase absoluta certeza que a contento do armador.

Rematando, posso dizer que o meu pai levava cumprimentos da minha mãe para o comandante entregar à esposa (que a minha mãe conhecia pessoalmente), mas estes nunca chegaram à senhora, porque o meu pai se esqueceu de dar o recado, devido à confusão gerada. Posso também referir que sei o nome da fragata e quem era o comandante, pessoa muito prestigiada na Armada, antes e depois deste incidente e que faleceu em anos relativamente próximos de hoje, com posto de elevada patente e as mais subidas condecorações nacionais, devidas a comandos em que demonstrou bom desempenho. Enfim, digamos que coisas como esta podem acontecer a qualquer um, sem afinal lhe deixarem mancha de maior.

Seguem a foto original e um esquema do local exacto onde o incidente se passou.




Resta-me agradecer a colaboração dos amigos que deram o seu contributo para o sucesso deste 15.º concurso do PRAIA DE BOTE, aqui ou por e-mail, como foi o caso do Adriano Lima que agora já está em melhores condições computacionais. Um abraço para todos.