terça-feira, 30 de julho de 2013

[0526] Uma banda militar no Mindelo de 1907. Rapazes aprumados, um luxo, na recepção a Sua Alteza Real o Príncipe D. Luís Filipe - COM DESENVOLVIMENTOS A VER

Mindelo: preparativos para a chegada do Príncipe Real D. Luís Filipe
O jovem príncipe D. Luis Filipe pisou solo mindelense em 1907, sim senhor. Portugal queria continuar a afirmar-se em África, onde a sua situação estava tremida devido a influência de outras potências que a cobiçavam e nesse sentido Luis Filipe foi enviado pelo pai em viagem oficial, pouco antes de ambos serem assassinados. No percurso, que decorreu de 1 de Julho a 27 de Setembro, a bordo do navio português... "África", o príncipe visitou São Tomé, Moçambique (e dali foi à África do Sul e Rodésia), Angola e ainda deu um saltinho a São Vicente.

O Príncipe no Mindelo
Contudo, o objectivo deste post não é contar a viagem do príncipe e múltiplos episódios anexos, mas tão só um: em S. Vicente, onde foi muito bem recebido, tocou em sua honra uma banda militar de cerca de 20 elementos, constituida por gente das ilhas (não sabemos se com base na Praia ou no Mindelo). Conhecemos duas fotos da visita de Luís Filipe ao Mindelo mas esta que aqui divulgamos encontrámo-la hoje mesmo, em mais um "passeio de pesquisa" pela net. Está à venda no ebay por... 50 dólares. Isso mesmo, leu bem, 50 green da terra do Tio Sam. Quem se quiser habilitar, é só ir ao ebay o mais depressa possível... 106 anos em cima do pêlo valem bem o gasto, para quem estiver abonado e desejar esta foto rara, de músicos que nas horas vagas dos ensaios e das obrigações do quartel decerto tocariam nos botequins da cidade e sabe-se lá se também na banda municipal.

Repare-se ainda na piada no "z" de alteza, ao contrário...

Seguem algumas fotos da Banda da Armada portuguesa (VER MAIS AQUI) de época próxima desta, ilustrativas do nosso comentário na zona de... comentários.




Foto endireitada, pose dos músicos melhorada



segunda-feira, 29 de julho de 2013

[0525] Em primeira mão, para os leitores de Pd'B: prefácio de Nuno Rebocho à próxima edição de "Manduna de João Tienne" de Pedro Gabriel Duarte

Um livro precioso, a “Manduna de João Tienne”

Nuno Rebocho
Corria o ano de 1999 quando Pedro Gabriel Duarte publicou o seu romance “Manduna de João Tienne”, anunciado como o primeiro de uma antologia. Nascido na cidade da Praia, ilha de Santiago, Cabo Verde, a 24 de março de 1924 e residente durante mais de duas décadas na Guiné-Bissau com seu irmão, Abílio, um dos fundadores do PAIGC, Partido Africano para a Independência de Guiné-Bissau e Cabo Verde e da nacionalidade cabo-verdiana, também – ele mesmo – escritor e pintor, sofreu na pele as vicissitudes do seu apego nacionalista e de oposição ao colonialismo português: deportado, por castigo, em 1970, associou-se ao independentismo emergente. Pedro Duarte vinha, desde os anos 50, pontuando no domínio das letras, refletindo nos seus trabalhos os princípios do grupo acantonado em torno de uma conhecida revista portuguesa, “Vértice”, com base no movimento estudantil coimbrão, e que afinava pelos ideários do democratismo e do progresso.

Capa de edição anterior
Fresco bem arquitetado da sociedade cabo-verdiana das primeiras décadas do século vinte, “Manduna” esboça uma certa burguesia irredenta que conduziu o país até a independência: retrata o papel relevante que nele teve o clero católico cativado pela sedução do “eterno feminino” (são muitos os casos que o ilustram), as gentes do Mindelo e da ilha de Santiago que já disputavam a primazia no arquipélago, as raízes terra-tenentes do seu frágil poderio associadas com o comercismo dos principais centros urbanos, as dificuldades de algum campesinato dele dependente mas sempre presente nos laços morais e culturais.

Não espanta que, também por isso, o romance tivesse merecido e recolhido o aplauso de grande parte do remanescente da chamada geração claridosa, se bem que, herdeira dela. Claramente se distinguisse dos seus pressupostos estéticos fundamentais. Com efeito, “Manduna de João Tienne”, um livro poderoso, marcou uma época e foi, pelo menos durante largas décadas – a par dos textos de Baltazar Lopes da Silva. Manuel Lopes, João Lopes, de Teixeira de Sousa – uma das referências da literatura cabo-verdiana.

O aparecimento no firmamento desta literatura de novas gerações de escritores a pedir meças aos “antigos” – como sejam Ondina Ferreira, Eduarda Bettencourt, Germano Almeida, Joaquim Arena, Daniel Spínola, Arménio Vieira, Abraão Vicente, entre outros – é sinal de que o seu fôlego está longe de se esgotar. Todavia, há dificuldades de ganhar expressão o romance, talvez por falta de tradição, tirando embora alguns casos notáveis, como são exemplos o escritor de Djar Fogo, Henrique Teixeira de Sousa, e o próprio Pedro Duarte.

Poeta e contista, representado na “Antologia de Ficção Cabo-verdiana Contemporânea”, Pedro Gabriel Monteiro Duarte releva no romance, sendo autor de um notável livro que fica como ilustração das dificuldades deste género literário.

Foi por acaso que “descobri” o romance de Pedro Gabriel Duarte: foi um amigo cabo-verdiano, o filho do célebre B’leza, quem mo deu a conhecer. E logo me converti em apaixonado desta obra, que li de um fôlego. Mas cedo me apercebi que, por motivos que se prendem com a política deste pequeno-grande país mais do que por questões estritamente do foro literário, esse amor estava condenado a ser, triste e infelizmente, contrariado por alguma injusta razão filisteia em que são demasiado férteis os pequenos mundos.

Considero que este livro, além de tudo o que por si mesmo o justifica, deve ser relido e ser – com critério e fichas – objeto de estudo por quantos, na esteira de Manuel Ferreira e de Arnaldo França, se debruçam sobre a riquíssima cultura de Cabo Verde.

Nuno Rebocho

[0524] Um poema esquecido sobre a viagem de Gago Coutinho e Sacadura Cabral e sua passagem por Cabo Verde

A viagem que pela primeira vez ligou por meios aéreos Portugal ao Brasil teve início a 30 de Março de 1922 e durou nada menos que 79 dias, com várias peripécias pelo meio que levaram a reparações em Cabo Verde (de 5  a 17 de Abril, no Mindelo e na Praia) e depois à substituição da nave que perdeu um dos flutuadores já perto do final. Mas não é desse feito em si, altamente celebrado em Portugal e Brasil, que este post trata. Ele destina-se apenas a mostrar que um ano depois ( e até hoje), ainda continuava bem presente no orgulho nacional, de modo que para o celebrar se fizeram diversos monumentos (dois no Mindelo, na altura, e um em tempos recentes e vários noutros locais de Portugal e Brasil), postais ilustrados e textos de diversos tipos na imprensa.

É um desses casos que aqui trazemos hoje, de "A Paródia", periódico humorista ao género dos de Rafael Bordalo Pinheiro - cujo título glosa uma das suas publicações e cujos desenhos em muitos casos dos dele se aproximam, assinados por um tal Adão... No último dos escassos quatro números, de 19 de Janeiro de 1923, lá vinha o "Fado da Paródia", assinado por Caim, onde o nome do arquipélago é citado (local de ceia, por via da fome com que os aviadores vinham...). Uma curiosidade, apenas, e... curiosamente curiosa: terá a ceia sido uma cachupa guisada com ovo estrelado?



domingo, 28 de julho de 2013

[0523] Porque esteve sempre S. Vicente no epicentro de mudanças em Cabo Verde? Ensaio de José Fortes Lopes

 O texto de José Fortes Lopes já é conhecido há dias na blogosfera mas a sua qualidade e o seu conteúdo são de tal modo significativos para a ilha do Monte Cara que ele aqui fica, também no Pd'B, para renovada leitura. E ainda por cima porque se articula de algum  modo com o post anterior. 

José Fortes Lopes
Neste artigo tentarei explicar as razões que levam os mindelenses a protagonizar a batalha da Regionalização. Reconheço que, hoje em dia e na actual conjuntura, falar de S. Vicente é problemático, quase um tabu, desencadeia paixões, tal é sensibilidade à flor da pele relativamente a esta questão. A ilha está no centro da contenda do centralismo e da problemática da Regionalização, a ponto de o assunto se ter tornado matéria politicamente quente despoletando acesas discussões no parlamento. Hoje é facilmente conotado como bairrista, separatista, inimigo do povo etc., visto com desconfiança por uma certa elite no poder, quem ousa levantar alguma questão sobre o estado da ilha e os problemas do centralismo. Existe uma corrente em Cabo Verde que se esforça por banalizar a ilha, transformá-la numa qualquer realidade insular do país, e relegar a sua cidade para o nível de uma qualquer cidade periférica de Cabo Verde. Mas S. Vicente não é uma ilha qualquer e a sua cidade não é uma qualquer e exige o direito à diferença. 

Este trabalho pretende ser um subsídio à história da ilha, de modo a melhor enquadrar e perceber o sentido do combate que nos anima hoje em prol da Regionalização, cientes de que qualquer solução positiva para S. Vicente será benéfica para as outras ilhas e proveitosa para o conjunto de Cabo Verde. S. Vicente aposta na Regionalização como uma saída para o atoleiro em que se encontra. 

É inegável que S. Vicente tornou-se, mais uma vez, no epicentro da contestação democrática em Cabo Verde. Desta vez, o actual sistema centralista cabo-verdiano está na mira, posta causa pelos efeitos desastrosos que vem provocando no ecossistema social e económico de uma ilha tão importante para Cabo Verde como S. Vicente. Temos hoje um partido, PAICV, isolado e agarrado à ideia do centralismo a todo o custo, como sendo a trave mestra do regime cabo-verdiano e tem ignorado todos e incessantes apelos de vários quadrantes da sociedade civil e política ao diálogo sobre a questão da Regionalização. Num momento em que se comemora o 38º aniversário da independência de Cabo Verde e se começa a escrever a história do país, nunca é demais lembrar ao PAIGC, que alega ser o libertador Cabo Verde do jugo do colonialismo português, que foi precisamente através de S. Vicente e graças à ilha, ao esforço zeloso da sua população, que este partido entrou timidamente em Cabo Verde para depois se instalar confortavelmente no poder. Nunca se pode esquecer as grandes manifestações no Mindelo em favor da Independência e de apoio ao PAIGC, assim como o episódio da tomada da Rádio Barlavento em Novembro de 1974, logo rebaptizada como Rádio Voz de S. Vicente. Nunca é demais lembrar que estes episódios, hoje subvalorizados senão ignorados pela ideologia fundamentalista dominante actualmente naquele partido, por contrariarem algumas teses atinentes ao seu presumido messianismo histórico, constituíram páginas importantes da história de Cabo Verde, com consequências determinantes para o nosso destino colectivo. A população mindelense ‘em peso?’ defendeu afincadamente a ocupação da Rádio Barlavento, permitindo que ela passasse definitivamente para o campo do PAIGC, um elemento fundamental e chave para irradiar a propaganda deste partido para todo o país, na medida em que a população era ou pouco instruída ou semianalfabeta. Todavia, se a tomada da rádio foi, na aparência, um acto espontâneo e inscrito num momento de exaltação, seria ingénuo ignorar que ela foi teleguiada e não tinha outro propósito senão matar à nascença a pluralidade democrática e eliminar a hipótese de qualquer debate sobre os destinos de Cabo Verde ou o regime a implantar no pós-independência. Finalmente, passados alguns anos, a Rádio Voz de S. Vicente acabou por ser extinta, engolida pela Rádio Nacional, criada para ser um órgão de propaganda centralizado do novo regime, uma das primeiras manifestações de centralismo e antecâmara da morte anunciada da cultura e da intelectualidade mindelenses. A partir daí, S. Vicente começou a funcionar em monocórdio e a afundar-se culturalmente, processo acelerado pelo êxodo das elites sociais que não aceitaram uma convivência malsã com o novo regime político, onde se inclui claridosos, opositores ou detractores do antigo regime. Nada aqui a contestar quanto à luta vitoriosa do PAIGC na Guiné-Bissau sob a égide de Amílcar Cabral. É claro que estamos todos de acordo que sem os movimentos de libertação e as suas lutas desencadeadas nos três teatros de operações, o regime salazarista-caetanista não teria caído e a independência das ex-colónias portuguesas seria certamente postergada para um ‘timing’ diferente. Isto é claro como água, facto reconhecido à época pelos responsáveis políticos e militares portugueses, ou não constituísse a situação das colónias a causa principal da Revolução de 25 de Abril. De resto, se tanto a historiografia portuguesa como a universal hoje o consagram, que mais se poderia dizer? 

Mas o papel decisivo da luta pela independência em terreno cabo-verdiano no pós-25 de Abril tem sido por demais menosprezado e negligenciado por uma elite que perfilha uma leitura messiânica da história de Cabo Verde, por sinal a mesma que se nos opõe hoje na luta pela Regionalização, por considerar-se dona da verdade e portadora de uma legitimidade histórica inquestionável. Foi pois a partir de S. Vicente que o PAIGC se implantou e ganhou um forte impulso político para se disseminar para o resto país, não obstante a oposição inicial a este partido que desde logo despontou do Cabo Verde profundo, mal se evidenciaram os primeiros sinais da sua tendência totalitária e da sua pretensão hegemónica. Nada mais falso seria falar de um levantamento popular generalizado em Cabo Verde contra o domínio colonial português, como convém a algumas teses. O PAIGC foi inclusivamente recebido inicialmente com alguma desconfiança em 1974-1975 pela população mais sofrida de Cabo Verde, em nome da qual invocava o penhor da sua luta nas matas da Guiné. Contudo, se a alusão a levantamento popular concita algum significado, isso poderá ter acontecido na ‘privilegiada’ ilha de S. Vicente. Numa visão marxista, a ilha seria a única a ter condições em Cabo Verde para sustentar uma revolução socialista em Cabo Verde, mas paradoxalmente poderia ser a primeira a cair no campo da contra-revolução e ameaçar um futuro poder marxista, por reverso do mesmo determinismo histórico. 

Esta dialéctica foi logo cedo percebida pelos então líderes do PAIGC e futuros dirigentes de Cabo Verde, que prontamente se refugiram na Praia, e com eles toda a nova elite, acolitando-se na sede do antigo governo colonial, onde trataram de arrumar a seu bel-prazer os salvados deixados pelos portugueses e urdir as estratégias da nova dominação política e consolidação do poder. Esta seria a génese do fenómeno do centralismo de que sofre Cabo Verde, um grave defeito de concepção inicial com a assinatura indelével do PAIGC e a colaboração activa de muitos mindelenses. 

A população mindelense sentiu-se assim desde cedo abandonada, traída, vilipendiada no fundo da sua alma. Com justa razão, porque a ilha, através das suas elites sociais, e no decurso da sua história contemporânea, foi sempre a voz que se fez ouvir para reclamar mais autonomia da colónia aos poderes centrais de Lisboa, nomeadamente durante o regime ditatorial de Salazar. Foi a elite social polarizada em S. Vicente que inspirou e estribou a acção do deputado Adriano Duarte Silva quando exigiu maior atenção para com os problemas da colónia e a não aplicação do estatuto de indigenato e outros estatutos humilhantes e vexatórios para a sua população. Os registos das suas intervenções de 1930 até à data da sua morte atestam isso mesmo e ficam para a história como testemunho de quem, corajosamente, não se calou perante o arbítrio (ver os registos dos discursos na AN(1)). E foi o mesmo que teve a coragem de reclamar o estatuto de adjacência em vez de colónia, para isso batendo até ao fim da sua vida. Paradoxalmente, Adriano Duarte Silva morreu (1961) numa altura em que Amílcar Cabral, seu aluno no Liceu Gil Eanes, já defendia com armas na mão outro poema, a independência das colónias africanas portuguesas, tornando caduca qualquer outra hipótese de estatuto favorável para Cabo Verde no quadro português e contribuindo para o crepúsculo de um império colonial de quinhentos anos. 

Não é possível perceber a história de S. Vicente, e a geral de Cabo Verde, sem a interligar com a história da expansão do império britânico no Séc. XIX em África. É pois o Porto Grande e a configuração geográfica particular de S. Vicente que mais atraíram os britânicos. De resto, não é exagero afirmar que ilha de S. Vicente é de certa maneira uma criação britânica, à qual se juntaram portugueses e cabo-verdianos, com a sua economia a nascer assim na dependência directa do sistema britânico. A ilha e a cidade foram desenhadas para serem um entreposto britânico, para o abastecimento das suas embarcações, assim como para as comunicações transatlânticas. Nela se instalaram inúmeros britânicos e a ela confluíram populações oriundas de vários pontos do arquipélago e de todos os estratos sociais, atraídas pelo ‘boom económico’ da ilha, com foros de um desafio que vinha quebrar a pastosa monotonia em que o território se encontrava mergulhado. A população, bem ou mal, convivia com estes novos “colonos” europeus, nas companhias carvoeiras, nas oficinas, nos serviços, no desporto, nas festas, etc., e a elite mindelense acabou por adoptar hábitos britânicos, como o chá das 16 horas e a confecção do famoso “english puding”, o bolo escuro britânico para as grandes cerimónias. Todavia, a glória e as desgraças desta ilha-cidade estariam intimamente ligadas à evolução e ao destino do Porto Grande após a partida dos britânicos. Muito se reclamou pela construção de um cais acostável para aumentar a competitividade da ilha. A sua construção viria a concretizar-se, sim, mas tardiamente. Graças à tenacidade e à pugnacidade de Adriano Duarte Silva, que lutou durante décadas (anos 50 e 60 do século passado) com unhas e dentes para convencer o regime de Lisboa da necessidade urgente da obra para o futuro da ilha, o regime teve de ceder. Este projecto de toda uma vida veio a concluir-se no mesmo ano da sua morte. Mas, hélas, os britânicos estavam de partida e os espanhóis e os franceses investiam em força, respectivamente, nas Canárias e em Dakar, desclassificando irremediavelmente essa obra, que foi por assim dizer um nado-morto: o Porto Grande estava condenado à morte súbita, sem perspectivas no mundo novo que se desabrochava e em que Portugal se isolava cada vez mais. Mesmo assim, o Porto Grande e o seu cais viriam a preencher um papel importante no arquipélago, dando maior amplitude de condições ao trânsito e movimento de pessoas, bens e mercadorias essenciais dentro do e para o arquipélago, servindo assim a sua população e constituindo a porta de Cabo Verde para o mundo, o caminho para o exílio ou para a emigração. 

S. Vicente gozou assim de um certo estatuto especial no quadro do império português, que não era dádiva nenhuma da metrópole, como alguns afirmam, mas uma conquista ganha pelo suor dos seus habitantes e viabilizada pelos índices de civilização nela atingidos, devido à sua abertura ao mundo, numa clara afirmação do seu espírito inconformista e empreendedor. É precisamente este contexto, valorizado por uma franca e profícua abertura à diáspora, que permitiu constituir, para a época, uma elite bastante evoluída, bem formada e informada de tudo o que se passava no mundo. Numa altura em que a antiga metrópole se fechava, congelada no tempo pelo peso da ditadura e do imobilismo social e político, a cidade do Mindelo, não obstante a exiguidade do território e do meio, e os índices de pobreza endémica na ilha, levava avanço nalguns aspectos, fruto da forte influência britânica, nomeadamente no que concerne à adopção de posturas de modernidade, consubstanciadas numa maior abertura de espírito e numa convivência pautada por uma interiorização dos valores da liberdade, pouco comum quer no arquipélago quer no império. É assim que a ilha possuía sindicatos, grémios, associações, clubes, rádios privadas, livrarias, bibliotecas, bares, pubs, como em qualquer das grandes cidades no mundo. Não é por acaso que foi nesta ilha que, em 1936, nasceu o Movimento Claridoso (Baltazar Lopes, Manuel Lopes, Jorge Barbosa e outros), cujos elementos desafiaram dissimuladamente ou encobertamente o autoritarismo de Lisboa e corporizaram a resistência intelectual da ilha. Por isso, muitos questionam hoje se Amílcar Cabral não terá começado a forjar a sua consciencialização política na ilha e inspirado a sua luta contra o domínio português no ambiente intelectual da ilha de S. Vicente e do seu Liceu dos anos 40. Não foi por acaso que, em 2007, o então presidente Pedro Pires afirmou, por ocasião de um simpósio internacional sobre o primeiro centenário do nascimento do principal fundador do Movimento Claridoso, Baltasar Lopes da Silva, que o movimento “revolucionou a cultura cabo-verdiana em meados do século passado e que ele deve ser repensado como um valor nacional e também universal”. 

O 25 de Abril de 1974 desencadeou em S. Vicente uma onda de liberdade, alegria, optimismo e esperança e confiança no futuro, fazendo com que as suas gentes acreditassem finalmente num futuro melhor ante a perspectiva que se abria para a concretização das reivindicações que outrora os seus filhos mais ditosos embandeiraram no palco político do império. A juventude, essencialmente a estudantil, saiu à rua e no ambiente festivo e de liberdade impulsionou toda uma população sedenta de liberdade e meteu-a nos carris de um movimento revolucionário. Este movimento espontâneo cedo se transformou num movimento para a causa da independência, e foi, por assim dizer, a caução interna que o PAIGC precisava para sair da clandestinidade e do seu apagamento no arquipélago, culminando na tomada da Rádio Barlavento em Novembro de 1974 e na ascensão de Cabo Verde à Independência em 5/7/1975. 

Pelas suas características históricas e sociais, S. Vicente foi assim a ilha que, dentro do território, mais lutou e contribuiu para a independência, mas, por estranho paradoxo, o início da decadência da ilha coincide com a inauguração de Cabo Verde como país independente, quando as legítimas expectativas apontariam para o inverso, em consonância com os valores de liberdade e ânsia de progresso que foram sempre acalentados pela sua população. É pois com muita mágoa e desencanto que hoje assistimos, impotentes, ao descalabro da ilha. 

Temos uma cidade, Mindelo, passados 40 anos da independência, paradoxalmente, transformada numa sombra do seu passado, em plena estagnação socioeconómica, a ver navios a passar pelo seu Porto Grande sem nunca atracarem, sempre desviados para outros portos. Voltamos a ver com revolta um filme ‘déjà-vu’, um filme deprimente: jovens desempregados ou desocupados, andrajosos, velhos pedintes, meninas vendendo favores errando pelas ruas da cidade, sem perspetivas de futuro. Por outro lado, temos no interior da ilha focos de criminalidade organizada e insegurança galopante. A ilha passou desde a independência por um lento processo de desclassificação política, sofreu uma enorme erosão socioeconómica, a sua elite foi dispersa pelo país e pelo mundo. O cenário de abandono e de vazio é flagrante, ultrajante e intolerável. Ao invés, a ascensão da sua rival Santiago parece inexorável e desproporcionada, e a todos os títulos insultuosa, contrariando os princípios de equidade territorial e de solidariedade nacional que deviam ser apanágio de um estado de direito e democrático. Mas não, fruto da proximidade do aparelho central do Estado e do privilégio de investimentos avultados, tudo se faz para que ganhe foros de verosimilhança a figura da “República de Santiago”, e, como se não bastasse, com a descarada conivência e vassalagem da elite mindelense, que trocou a sua ilha natal por aquela onde se concentrou o poder e tilinta o sino de regalias e benefícios pessoais imperdíveis. Esta atitude é incompreensível e afronta a memória dos dignos filhos que S. Vicente já teve e que jamais trocariam a sua honra por um prato de lentilhas. 

Assim pouca sobra do sonho de 1975, pelo menos dos muitos que participaram neste grande movimentos cívicos e políticos nesta data. O desânimo e a decepção tomaram conta da população da ilha, hoje abandonada à sua sorte por aqueles que aqui tiveram guarida ou através dela se projectaram em Cabo Verde e no mundo. A verdade é que passado o curto momento de euforia da independência, os principais filhos da terra fugiram quase todos para a Praia para viverem debaixo da sombra das bananeiras e hoje abrigam-se nas fundações e institutos criados no centro do poder, onde se reciclam as ajudas e se distribuem benesses. Muitas promessas floriram em 1975 mas nunca cumpridas, vãs promessas que o vento levou, os revolucionários envelheceram ou se acomodaram. Cantaram-se canções revolucionárias em que se prometia transformar os campos secos do interior da ilha em campos verdejantes com levadas a correr água e cheios de fartura. Longe vão essas promessas, e hoje a seca continua irredutível no interior da ilha, e ante a indiferença dos homens as últimas plantas secaram e as águas das chuvas continuam a jorrar para o mar adentro, sem se perspectivar uma única barragem a ser construída na ilha para ressarcir a sua sede de água e verdura. De fora não vem nada, e com o “cabá vapor, cabá carvon” os filhos da ilha, longe dos centros de decisão e dos circuitos de influências, são as vítimas mais visíveis do centralismo político e do ‘fundamentalismo’, não têm emprego, são discriminados ou preteridos no acesso ao emprego, às bolsas de estudo e aos cargos, e são as estatísticas que o dizem com chocante e irrefutável verdade. Outros dirão que a ilha foi usada para que alguns atingissem o seu próprio objectivo pessoal. A melhor imagem que se pode dar da ilha é a de uma pessoa que está a segurar um saco vazio, cujo precioso conteúdo foi levado sub-repticiamente, sem o dono se aperceber, mas ainda convencido que saco contem qualquer coisa. Estamos pois perante uma ‘revolução traída’. Portanto, a triste conclusão é que o empenho dos filhos de S. Vicente em prol da independência nacional foi pago com a moeda da ingratidão, embora, como atrás foi dito, uma boa elite mindelense singrasse e ganhasse bem a sua vida junto ao poder, almejando até cargos políticos e económicos cimeiros no país. Nem Judas cometeria traição mais odiosa. E hoje sabemos que entre os ferrenhos inimigos da Regionalização e a corte de indiferentes para com a sorte da ilha de S. Vicente e sua cidade, contam mindelenses bem instalados no poder e na vida da Praia. 

Em 2010, um grupo de cidadãos mindelenses maioritariamente da diáspora, preocupados com o estado de decadência e o destino da sua ilha natal, subscreveram a um apelo em prol de S. Vicente e decidiram publicar um “Manifesto para um S. Vicente Melhor” (2), alertando para a situação da ilha e a sua constante degradação, questionando se o actual modelo sociopolítico e económico em vigor em Cabo Verde não seria responsável pelo seu actual estado. Exortávamos o poder central a implementar políticas tendentes a inverter a situação, mediante investimentos urgentes, e a empreender uma reflexão tendente a uma profunda reforma do actual sistema político-administrativo, já que é ele a fonte de todos os bloqueios em Cabo Verde. Esse manifesto, assim como todas as demais petições e outras da sociedade civil, foi recebido com a total indiferença ou o desdém de costume, não sendo digno de resposta, sequer de uma acusação de recepção, o que revela o verdadeiro carácter da democracia cabo-verdiana, que numa frase o companheiro Arsénio de Pina resume em ‘Esh Ca ta Ta Cdi’, para caracterizar um país em diálogo de surdos e mudos. Como reacção ao despautério de uma continuada indiferença, em Novembro de 2012 foi lançado o Manifesto do Movimento para a Regionalização de Cabo Verde (3). 

E S. Vicente renascerá das suas cinzas!!! 

Nota: Ao terminar este texto recebi a notícia da inauguração de mais um elefante branco desta agenda de transformação deste regime, a nova Delegacia de Saúde de São Vicente na cidade do Mindelo (divulgada no último instante para não despertar manifestações), este mamarracho ‘kitch’ de betão e vidro construído em cima das cinzas da vivenda onde residia o Dr. Adriano Duarte Silva. Onésimo Silveira (4) veio a público afirmar que foi uma “afrontosa agressão” à memória deste nobre mindelense e “precursor da cabo-verdianidade”, sob o pretexto de erguer nesse espaço um serviço indispensável para a saúde dos mindelenses, argumento de um cinismo político, vergonhoso e indigno, mais um acto perpetrado por forças fundamentalistas, num conluio de ignorância e fanatismo políticos. Não podia deixar aqui de exprimir aqui a minha revolta e o meu veemente protesto contra uma acção que foi para mim um acerto de contas político, tanto mais grave que neste acto de puro de vandalismo não se poupou a demolição de uma das mais belas peças do património arquitectónico da cidade (feito cobardemente na calada da noite para não provocar manifestações e oposição), uma das poucas obras-primas no puro estilo colonial da cidade. Shame on you Mr. 1º Ministro, continue assim a demolir o património histórico de Cabo Verde para a sua glória. 

(1) ADRIANO DUARTE SILVA Legislaturas: IV, V, VI, VII. http://app.parlamento.pt/PublicacoesOnLine/DeputadosAN_19351974/html/pdf/s/silva_adriano_duarte.pdf
(2) http://www.petitiononline.com/mmscent/petition.html
(3) http://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=MOVIRECV
(4) http://noticiasdonorte.publ.cv/15725/onesimo-silveira-o-governo-veio-constatar-a-sua-propria-prevaricacao/

sexta-feira, 26 de julho de 2013

[0522] Alguns documentos sobre as últimas horas da administração portuguesa em Cabo Verde

Como todos os países, Portugal tem os seus defeitos e fez grossas asneiras nos territórios que por todo o mundo colonizou. Mas em simultâneo tem grandes virtudes e nos mesmos locais também executou obra digna de orgulho nacional. Digamos que no momento da contabilidade, o que de bom realizámos se sobrepôs àquilo que não devia ter tido lugar. Prova indubitável desse facto é que na hora da partida saímos em óptimo relacionamento com as antigas colónias (para reforçar esta constatação, lembremos o que aconteceu com a França no que concerne à Argélia, com a Grã-Bretanha relativamente à Índia e por aí fora) - que se tem mantido até hoje, apesar de uma ou outra pequena fricção, sempre resolvida.

Cabo Verde é disso talvez o exemplo mais significativo de excelentes relações recíprocas e contínuas desde o dia da sua independência. Felizmente!... Inclusive, na hora da passagem do testemunho e da criação do novo país soberano, o alto-comissário português era... um homem nascido em Cabo Verde. Tratava-se do prestigiado almirante Vicente Manuel de Moura Coutinho de Almeida d'Eça VER AQUI

Ora é este oficial da Armada que avisadamente guarda alguns dos documentos relacionados com as últimas horas da transição e os doa em 2003 e 2005 ao Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Lisboa, onde hoje "residem". Tratados por Teresa Tremoceiro, estão divulgados na Internet no programa "A Torre do Tombo ao encontro de todos". São esses materiais que PRAIA DE BOTE agora também difunde, para melhor conhecimento dos cabo-verdianos e outros visitantes que frequentam as suas areias...

Quanto ao futuro a seguir ao 5 de Julho de 1975, aconteceu mais ou menos o mesmo que surge a seguir a todas independências, revoluções e mudanças radicais de regime ou sistema: uns sofreram injustamente, outros adaptaram-se, alguns singraram mais do que nunca haviam esperado e outros fizeram o que honestamente deviam fazer e não ganharam nada com isso. A outros ainda, tanto se lhes deu. O que interessa é que no cômputo geral o saldo foi positivo e Cabo Verde aí está, ainda jovem mas com energia e sabedoria suficientes para envaidecer o velho e agora esmorecido Portugal que lhe deu vida.

1 - Assinaturas do acordo entre o Governo português e o PAIGC em 19 de Dezembro de 1974


2 -1.ª Sessão da Assembleia Representativa do Povo de Cabo Verde


3 - Projecto de programa para as cerimónia da declaração de independência do Estado de Cabo Verde a realizar no estádio da Praia



4 - Excerto do rascunho do discurso (primeira e última de onze páginas manuscritas) do Alto-Comissário dirigido ao povo de Cabo Verde na véspera da independência (4 de Julho de 1975)



quinta-feira, 25 de julho de 2013

[0521] Memórias do veleiro "Belmira"

A notícia mais antiga que encontrei ralacionada com o "Belmira" tem a ver com o seu rebaptismo. Isso mesmo, a coisa passou-se cerca de Agosto de 1919 e ficou registada em jornal. Ou seja, de "Ralph L. Hall", talvez nome do antigo proprietário ou seu familiar, o barquinho adquiriu nova denominação, aquela pela qual ficou mais conhecido. Estava na altura nas mãos de R. Anahory (gralha ali no nome posto no jornal de New Bedford), armador de São Vicente.

Décadas depois, em 1971, pertencia a D. Isabel Lopes Gonçalves (ou pertencera até recentemente) que faleceu em Cova Figueira, Fogo, em 16 de Setembro desse ano, após prolongada doença. Esta senhora deixou numerosa descendência (9 filhos, 50 netos e 9 bisnetos). Uma das filhas era D. Belmira Gonçalves, casada com Adelino Gomes, residentes em Scituate, Massachusetts.

Em 1994 teve honras de moeda cabo-verdiana de 5$00 e em 15 de Outubro de 2011 de reportagem de Alexandre Conceição em "A Semana" que os nossos leitores poderão ler AQUI


Segundo o site do Banco de Cabo Verde, o navio terá sido construído em 1915 em local cuja memória se perdeu e chamou-se também "Boa Esperança". Fez durante muito tempo as ligações entre o Maio e Pedra Badejo, em Santiago. Podendo ser um outro barco com o mesmo nome ("Ralph L. Hall"), encontrámos no "New York Daily Tribune"  de 17 de Fevereiro de 1907 (data bem mais recuada) uma referência interessante ao veleiro que pertenceria à época ao porto de Gloucester, Massachusetts.

quarta-feira, 24 de julho de 2013

[0520] Directamente do Paraíso!...

Directamente de Cabo Verde!
Directamente de São Vicente!
Directamente do Mindelo!
Directamente da Praia de Bote!
Directamente da Rua de Praia!
Directamente do Porto Grande!
Directamente da Baía!
Directamente do Atlântico!...
Directamente da Torre de Belém verdiana!
...enviada pelo colega e amigo Manuel Brito-Semedo, uma foto ligeiramente turva mas de qualquer modo, uma foto do Paraíso!


[0519] Ess li é nha vez d'fazê manha c'cavala fresc (sem "k", obviamente, que é bicho que não existe nas línguas e dialectos latinos)


[0518] Situação meteorológica hoje, cerca das 8h30, hora de Lisboa

Ameaça de ciclone em Cabo Verde desloca-se agora para os lados de Fogo e Brava, parecendo tender a afastar-se cada vez mais de Cabo Verde. Felizmente, ufffffffffaaaaaaaaaaa!!! Parece que desta vez escapamos.


terça-feira, 23 de julho de 2013

segunda-feira, 22 de julho de 2013

[0516] A melhor rua do Mundo

Rua de Praia e Praia de Bote, durante o recente "Festival Cavala Fresc" (sem "k"), em foto da jornalista Matilde Dias, remetida pelo nosso amigo Manuel Brito-Semedo. O envio para mim foi propositado, pa ta fazê manha e eu agora faço o mesmo...


[0515] "Flor Formosa", por uma orquestra italiana de cordas

Maestro Marcello Fera, VER AQUI, dirigindo a sua orquestra de cordas numa interpretação de "Flor Formosa", música comovente de autoria de Djack de Carmo, falecido com cerca de quarenta anos. Era carpinteiro na Western Telegraph Company. Surge o nome de anterior intérprete, A.Travadinha, mas "o seu a seu dono". Não foi ele quem compôs mas sim quem a  interpretou. Nota enviada por António Almeida, via Rui Fonseca e nosso amigo Valdemar Pereira.

domingo, 21 de julho de 2013

[0514] Bombardeiras, com fotos e texto de Zeca Soares

Elas ainda lá estão! Quem não as conhece? São as BOMBARDEIRAS da ribeira de João Évora, ou no criolu "Jond'ebra", que devido a dificuldade de acesso àquela zona, foi possível prosseguirem o seu desenvolvimento num ambiente tranquilo, sem nenhum tipo de perturbação ou poluição dos "progressistas" dos tempos modernos. Resistiram décadas a todas as intempéries, e quase se julgava que tinham desaparecido da ilha de São Vicente.

Agora, com a chegada do "progresso??"  com o projecto de um grupo belga para a jond'ebra, vamos todos REZAR, para que elas não sejam destruídas. O Praia de Bote deserto irá dar uma ajudinha não é assim?

Foto Zeca Soares

Foto Zeca Soares

Foto Zeca Soares

Foto Zeca Soares

Foto Zeca Soares
Bombardeira Ver origem do artigo clicando AQUI

Trata-se de um arbusto da família Apocynaceae e que dá pelo nome científico de Calotropis procera (Aiton) W.T.Aiton [Sinónimos: Asclepias procera Aiton; Calotropis busseana K.Schum.; Calotropis hamiltonii Wight; Calotropis heterophylla Wall.; Calotropis inflexa Chiov.; Calotropis persica Gand.; Calotropis syriaca (S.G.Gmel.) Woodson; Calotropis wallichii Wight; Madorius procerus (Aiton) Kuntze]. Segundo o "Portugal Botânico de A a Z", a planta é conhecida,  entre nós, pelas designações de Bombardeira e de Algodoeiro-de-seda, divergindo das designações, entre si convergentes, nas línguas inglesa (Apple of Sodom), francesa (Pommier de Sodome) e espanhola (Manzana de Sodoma). As apontadas designações têm, no entanto, todas elas, a sua explicação: os frutos da planta têm uma forma arredondada e o tamanho aproximado duma maçã, e ao serem colhidos, depois de maduros, como que "explodem", libertando as sementes providas de penachos brancos, cujas fibras podem ser utilizadas como substituto do algodão hidrófilo.
É considerada nativa da Ásia (Médio Oriente, Arábia Saudita e Índia) e de África, e encontra-se naturalizada na América do Sul, onde foi introduzida. Tem o seu habitat preferencial em ambientes desérticos quentes,  em locais onde exista alguma humidade, como sejam as depressões de cursos de água, ou os oásis.

sexta-feira, 19 de julho de 2013

[0513] Ainda o novo livro de Arsénio de Pina. Texto de Manuel Brito-Semedo, na apresentação da obra, hoje, no Mindelo - VER POST ANTERIOR

M. Brito-Semedo - Foto "A Semana"
1. A escolha de um título de uma obra nunca é inocente e procura-se que seja a sua identidade, na sua expressão mais reduzida. Ele é algo sério, ponderado, propositado e que se quer significativo. E um título no nosso crioulo genuíno de SonCent chama a atenção, predispõe qualquer um, provoca curiosidade e causa alguma empatia. O Dr. Arsénio Fermino de Pina, que é um marinheiro de muitas viagens, que é como quem diz, autor de vários livros, sabe disso e é hábil nas suas escolhas de títulos. São disso exemplo, Uli-me li! (1999), Fi d’ cadon! (1999), Passadores de Pau (2009), Quel Canapê de Três Pê (2010), Ês ca ta cdi! (2011).

O título escolhido para esta mais recente colectânea é, na verdade, a combinação de títulos de duas de suas crónicas, Adeche! [1]  – escrita entre 2010 e 2012, ao se ter conhecimento da criação e próxima aprovação do Estatuto Especial para a Praia (pág. 19-43) – e Vendilhões em Vários Templos – escrita em 2011, na qual o autor fala sem papas na língua pela boca do Frei Capuchinho Fernando Ventura, reportando-se e fazendo paralelo com um acontecimento narrado no Evangelho de São Mateus, capítulo 21, versículos 12 a 16, sobre o episódio da purificação do Tempo ou de quando Jesus expulsa os vendilhões do Templo (pág. 87-96).

Detenho-me nesta crónica pelo paralelismo estabelecido e por ser, segundo o seu autor, uma “imagem que nos anima, nos tempos que correm”.

A verdade é que o mundo do primeiro século não era diferente do actual: havia homens ricos e pobres, virtuosos e criminosos, livres e escravos.

O templo em Jerusalém constituía-se em um lugar de peregrinação para todos aqueles que confessavam o judaísmo como sua religião. Era um lugar visitado por pessoas e comunidades de todas as nações. O templo (que já era o segundo) possuía quatro pátios. O primeiro era o pátio dos gentios, o qual era ocupado pelos mercadores que realizavam trocas (câmbio) de dinheiro e vendiam os animais.

Os frequentadores do templo juntamente com os seus líderes religiosos haviam transformado o templo em "casa de comércio" e em "casa de privilégios” e a crença, uma “religião de conveniência”.

Historiadores afirmam que os movimentos comerciais relacionados ao templo eram monopolizados pelas famílias dos próprios sacerdotes, Anás e Caifás, os quais recebiam lucros provenientes da venda de animais para o sacrifício e também do câmbio de dinheiro envolvido nos tributos do templo. Como se não bastasse, existia uma disputa cerrada pelo poder, a exemplo dos fariseus e saduceus que eram partidos políticos rivais. É, pois, diante desse cenário que Jesus se indigna e expulsa do templo comerciantes e cambistas dizendo: “A minha casa será chamada casa de oração”.

Com esta composição de título – Adeche! e Vendilhões em Vários Templos – está dado o mote e o tom e definidas as linhas com que o autor vai coser as suas crónicas. E, diga-se, não dá ponto sem nó, porque há uma de tomada de posição e o exercício de uma cidadania activa procurando “influenciar pessoas, bulir com elas, espicaçá-las, mas apenas para as ajudar a pensar por si próprias e a agir” (pág. 10)!

2. Produzidos com uma finalidade utilitária e pré-determinada, essencialmente para serem veiculados na imprensa, seja nas páginas de uma revista seja nas páginas de um jornal, estes textos têm uma estrutura de crónica. E o facto de a crónica ser publicada no jornal já lhe determina vida curta, pois, à crónica de “hoje”, seguem-se muitas outras nas edições seguintes.

Abro parênteses para lembrar que existem semelhanças entre a crónica e o texto exclusivamente informativo. Assim como o repórter, o cronista inspira-se nos acontecimentos diários, que constituem a base do seu texto. Entretanto, há elementos que distinguem um tipo do outro. Após cercar-se desses acontecimentos diários, o cronista dá-lhes um toque próprio, incluindo elementos como ficção, fantasia e criticismo, elementos que o texto essencialmente informativo não contém. Com base nisso, pode dizer-se que a crónica se situa entre o Jornalismo e a Literatura e o cronista pode ser considerado o “poeta dos acontecimentos” do dia-a-dia.

A crónica, na maioria dos casos, é um texto curto e narrado na primeira pessoa, ou seja, o próprio escritor está em diálogo com o leitor. Isso faz com que a crónica apresente uma visão totalmente pessoal de um determinado assunto: a visão do cronista. Ao desenvolver o seu estilo e ao seleccionar as palavras que utiliza no seu texto, o cronista está a transmitir ao leitor a sua visão do mundo. Ele está, na verdade, a expor a sua forma pessoal de compreender os acontecimentos que o cercam. Geralmente, as crónicas apresentam linguagem simples, espontânea, situada entre a linguagem oral e a literária, o que contribui também para que o leitor se identifique com o cronista, que acaba por se tornar no porta-voz daquele que lê.

3. Este trabalho, que o Dr. Arsénio Fermino de Pina ora dá à estampa compreende um conjunto de 50 textos, produzidos de forma sistemática entre 2011 e 2012, publicados com intervalos regulares nos jornais da praça, em suporte de papel e on-line. Tal tipo de periodicidade e de suporte faz com que os textos produzidos sejam consumidos no imediato ou num tempo limitado, sendo, por isso, com uma duração e uma actualidade efémera. São, contudo, um testemunho vivo sobre a actualidade de um momento ou de uma época, quando vistos de uma forma sincrónica e dinâmica, já que datados. Daí que, recuperá-los e guardá-lo em formato de livro é um trabalho meritoso em todos os sentidos.

Grosso modo, pode-se considerar que estas crónicas estão organizadas em três grandes tópicos: [i] leituras de livros de publicação mais ou menos recente [ii], entrevistas de personalidades insuspeitas em matéria política, económica e financeira, que a comunicação social raramente aborda, e, ia dizer sobretudo, [iii] a proposta do Movimento para a Descentralização, Regionalização e Autonomia de Cabo Verde.

Adeche! Vendilhões em Vários Templos, pelos temas abordados e pela forma frontal como as posições são assumidas, é um livro para ser lido com calma, aos bochechos, com a vantagem de estar escrito num português escorreito e algum sabor regional, que lhe dá um certo tempero, mesmo ao nosso paladar.

Adeche, vocês esperavam que eu viesse cá analisar os textos? Bocês ta fcá que vuta [2]! Façam o favor de fazer a vossa leitura pessoal. Esta foi a minha. Obrigado!

[1] Exclamação tipicamente mindelense, de pasmo, espanto.
[2] Expressao de S. Vicente que significa "Vocês ficam com vontade".

[0512] Em primeira mão: texto de apresentação do novo livro de Arsénio de Pina, pelo seu autor. Mindelo, hoje, em especialíssimo e simbólico local, o antigo Liceu Gil Eanes


Lançamento do 10.º livro de Arsénio de Pina

Quase exactamente duas horas antes de ser divulgado no Mindelo, PRAIA DE BOTE, numa espécie de furo jornalístico, apresenta aos leitores o texto que Arsénio de Pina irá ler sobre o seu livro "Adeche! Vendilhões em vários templos". 
                                                  
Arsénio de Pina
Começo por agradecer aos presentes que me honraram com a presença, ao Dr. Brito Semedo e Eng. António Pedro Silva pela valorização do livro com as suas excelentes apresentações, à direcção deste estabelecimento de ensino superior pela cedência do salão, estabelecimento que me comove, transpondo à infância, por ter frequentado o antigo Liceu Gil Eanes, ao grupo Clube de Leitura pela interessante animação promovida e o apoio proporcionado por elementos da Adeco.

Esta será, muito provavelmente, a minha última publicação em livro, por o mecenato estar, entre nós, pelo mar da amargura. Estive mesmo para desistir desta publicação e só a faço graças às facilidades concedidas pelo amigo Adolfo Leite, da Tipografia de S. Vicente, e por outro amigo dos nossos tempos de estudantes em Coimbra e de outras cumplicidades, Olívio M. Pires, que me ofertou o meticuloso trabalho de organização do texto para ser presente à impressão.

Presumo de interesse recordar às instituições que não fizeram caso do meu pedido de copatrocínio do livro, que foi CAIO MECENAS, cavaleiro romano, que viveu entre os anos 69 a 4 a. C. quem utilizou o seu crédito pessoal para encorajar as Letras e as Artes. Daí nasceu o termo MECENATO para esse tipo de patrocínio. Entre nós, nos últimos tempos, os Mecenas, nem procurados com a lanterna de Diógenes.

Das dez instituições nacionais a que solicitei copatrocínio para a publicação deste livro, afim de o seu preço de venda ser acessível a todos, somente duas me responderam favoravelmente – o Banco de Cabo Verde e o Ministério da Saúde – o que nos dá uma ideia do interesse de certas instituições pela Cultura. O Ministro deste pelouro teve a gentileza de me responder, felicitando-me pela iniciativa e encaminhando-me para a secção de publicações da Biblioteca Nacional para, como julgava, obter um copatrocínio, mas o director deste, Dr. Morais, informou-me das démarches que deveria empreender para me inscrever como candidato ao solicitado copatrocínio, démarches de tal modo burocratizadas, no contexto do que costumo classificar de repolho burocrático cabo-verdiano – repolho pelo número de folhas de papel -, orgulhosamente herdado de Portugal e ciosamente guardado e hipertrofiado, que desisti de me candidatar.

Não é, pois, de admirar que, com a falta de estímulos por parte de instituições que deviam fazê-lo, sem falar nos preços proibitivos dos livros, as pessoas tenham deixado de se interessar pela leitura, mesmo os licenciados após terem terminado a sua formação superior, na qual a leitura é obrigatória. Contentam-se com a televisão e a Net, que, obviamente, não substituem os livros. Presumo que, como a cultura é cara e obriga a pensar, há que experimentar a ignorância, que é de borla, e a política, dita moderna, vai ajudando nessa indiferença relativa ao saber, ao conhecimento, ao convívio, à reflexão.

Longo tempo ausente do país, somente com duas passagens meteóricas, neste regresso, eu, por natureza optimista, sinto rondar-me o cepticismo – para não dizer pessimismo – ao encarar a realidade cabo-verdiana, particularmente a Sanvicentina. Constato perda dos valores éticos e morais essenciais – isto é, o respeito, a honra, a vergonha na pele da cara, o trabalho aturado e o sentido do interesse público e geral -, havendo proliferação e banalização da corrupção, o primado do dinheiro sobre a cultura, o primado do consumo em detrimento da cidadania, rejeição da classe política por ter deixado de ouvir e de representar o povo, e desvio mercantilista do sistema universitário privado, mercantilismo somente tolerável em matérias comerciais.

Como devem ter suspeitado os conhecidos, e sabem os amigos, não sou homem de poder. Para mim a exigência da democracia e da liberdade é, antes de tudo, uma obrigação moral estribada na ética. As informações, críticas e propostas – que se podem encontrar ao longo de todas as minhas publicações – têm sido sempre no sentido de ligar a liberdade e o progresso e de promover a cidadania e a plena soberania dos cidadãos, passando pelo conhecimento. Obviamente que espíritos informados, abertos e desempoeirados, irritam e incomodam muita gente habituada a não levantar a voz em balido diferente do das restantes ovelhas, as quais se conformam com posições acríticas e com a versão oficial. Creio, no entanto, que entre gente não fundamentalista, que se respeita, o diálogo é possível e fácil, sem riscos de os parceiros entrarem em discussões desbragadas, violentas e estéreis, razão que me leva a participar com os meus escritos e de cara destapada.

Bem, não quero desanimar-vos, mas antes relembrar-vos não haver nada que resista ao facho ardente do Conhecimento e do Diálogo. E o povo, o grande iludido, o grande explorado de todos os tempos, a vítima sobre quem recai o peso enorme de todas as iniquidades da Terra, uma vez acordado do sono fatal da ignorância e da resignação em que o têm cuidadosamente confinado, saberá, cônscio de si, reacender essa luz desejada que tão belamente define a verdadeira democracia, conseguida no equilíbrio, no  respeito mútuo dos cidadãos e na livre ventilação de ideias, e orientar-se, de maneira incisiva, pelo único caminho, da justiça, da honra, da honestidade e da felicidade humanas, escolhido e decidido por ele próprio.

Irão encontrar neste livro - que não é de memórias, mas antes um molho de crónicas -, um testemunho de causas e combates, ideias e acção, a defesa de uma ética de interrogações, dialogante, criativa, essencialmente civilista, tendo por base o respeito pela dignidade humana. Encontrarão nele de tudo, desde História, Política, Religião, Economia, Agricultura, Saúde, etc., sempre encarados numa vertente dialéctica. Talvez estranhem que me ocupe muito da economia de mercado e da globalização, que explico pela simples razão de nos afectarem e de terem contribuído, como afirmou alguém, para que a família tenha entrado em dissolução, a escola em desvalorização, as religiões em fantasias e descrença, os valores em niilismo galopante, a justiça em morosidade e perda de acatamento, a democracia em fragilização, as identidades em apagamento, o Estado em desnacionalização e o homem em descarte de referências e valores. Também vos sirvo algumas refeições temperadas com especiarias locais, regionais e descentralizadas, que os governantes fariam bem em saborear. Não garanto que o meu verbo agrade a todos, até porque, se escrevesse somente para agradar, estaria a contar lendas

Há gente que se intriga com a diversidade de assuntos tratados nos meus livros fora do meu ramo profissional, e, afinal, a razão é assaz simples e alguns poderiam fazer outro tanto. Parafraseando Isaac Newton diria que, se consigo ver um pouco mais longe, é por subir aos ombros de bodonas dessas ciências, profissões e filosofias.

Finalizo, desejando-vos boa leitura.

Muito obrigado.                                       

[0511] Faleceu Lívia Leão

Notícia veiculada por Maria Helena Pinto Neto
Celso Leão

Faleceu hoje no Hospital da Luz (Lisboa, Portugal) Lívia Alfama Feijóo Leão, de 87 anos, viúva de Celso Leão, cidadão português que se tornou num autêntico mindelense. Deixa seis filhos: Fátima (Fatú), Helena (Leninha), Luis Filipe, João Manuel (John), José Rui e Liza.

O velório realiza-se hoje, na Igreja de N.ª Sr.ª de Fátima (Av. de Berna), a partir das 18h00. Amanhã, o corpo sairá às 17h30 para o Cemitério dos Olivais, onde será cremado pelas 18h30.

Celso Leão, comerciante de elevada craveira,  deixou um rasto de saudade no Mindelo, pois ajudou com o seu dinheiro muita gente que dele precisou, sem esperar retribuição.  Lamentavelmente, não temos fotografia desta senhora mas aqui fica a do esposo, retirada com a devida vénia do blogue Esquina do Tempo.

Aos filhos, nomeadamente ao John, Praia de Bote deixa o abraço fraterno que se impõe.

[0510] Memória do lançamento do 9.º livro de Arsénio de Pina, em Junho de 2011. Hoje, no Mindelo, no velho Liceu Gil Eanes, sairá a sua 10.ª obra


[0509] Ainda o funeral de Bana, em Lisboa


[0508] Homenagem do Mindelo a Bana, seu mais famoso cantor


quinta-feira, 18 de julho de 2013

[0507] O GONÇALVES a menos e o DE a mais... (ou o seu a seu dono)

Foto blogue Esquina do Tempo
Chamava-se o sábio e eloquente professor de várias gerações de alunos e escritor de não menor importância, António Aurélio Gonçalves, designado em nominha carinhoso como "Nhô Roque", por ser filho de Roque da Silva Gonçalves. Infelizmente para mim, que assim perdi a sua verve e conhecimentos, não foi meu professor. Mas possuo e li quase toda a sua obra publicada - que, no caso de "Terra de Promissão" (ed. Banco de Cabo Verde), até tenho em duas versões distintas, uma delas de luxo, por oferta de amiga sãovicentina residente na Praia. O livro "Noite de Vento" comprei-o em Lisboa e "Ensaios e outros escritos" também resultou de oferta do Centro Cultural Português do Mindelo. António Aurélio GONÇALVES, portanto...

Foto Joaquim Saial
Germano Almeida requer ainda menos apresentações, por ser o escritor cabo-verdiano mais internacional e mais publicado. Homem de Bubista mas de há muito residente no Mindelo, é reconhecido pela generalidade dos cabo-verdianos com alguma instrução e pelos estrangeiros que se interessam pela literatura e assuntos culturais das ilhas. Mas ele não tem um DE no nome literário e suponho que também não no do BI...

Porém, por esta altura, no ano passado...