sábado, 29 de dezembro de 2012

[0299] 299 despedidas de 2012...


681 dias e 299 posts depois, o PRAIA DE BOTE  deseja a todos os seus leitores, colaboradores e amigos, uma boa noite de S. Silvestre e um 2013 com muita saúde e livre de maus governantes de todas as cores políticas, em todas as latitudes e longitudes do Universo.

Segue inevitavelmente um abraço para todos os moradores da sanvicentina Praia de Bote, sejam os das casas que a bordejam, sejam os que se esconderão debaixo dos botes onde serão evaporados de 31 de Dezembro para 1 de Janeiro alguns litros de bom grogue cabo-verdiano.

Em 2013, cá estaremos, todos nós, na mais maravilhosa praia do mundo, para uma boa conversa e para divulgar o que se passa e passou nas suas areias. Sempre com novidades, algumas bem antigas, diligentemente tiradas do nosso profundo e inesgotável baú.

E já que nos últimos posts se falou no Café Royal (embora não no Royalzin - não esquecer este, criado para a classe do pé descalço que assim também podia ter o seu Royal e ali beber um grogue ao invés do gin que se bebia no outro) aqui vai um postal editado pelo famoso café assassinado. A Matiota, praia também ela assassinada, aqui fica para lembrar na noite de S. Silvestre - em imagem de há 98 anos.



[0298] Posts recentes, ainda a ver... E mergulhos por moedas de turistas

Neste post, à beira da noite de S. Silvestre, o PRAIA DE BOTE oferece aos seus leitores uma cena que ainda todos temos na memória, em quatro versões, a preto e branco e a cores.


sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

[0297] Documentário sobre a grande pianista D. Tututa estreia em breve

Do blogue parceiro "ESQUINA DO TEMPO"...


"Dona Tututa" vai ter antestreia mundial no Sal no dia 6 de Janeiro de 2013

Epifânia Évora ama a música e o piano, tanto quanto é possível alguém o fazer. Ao longo da sua vida, transformou dor e alegria em melodias e cantou-as, rompendo convenções. Para esta nonagenária cabo-verdiana,  filha do "inventor da coladera" e mãe 14 vezes, a vida só faz sentido com aplausos. Terá ouvido todos os que merece?

Das noites quentes e gloriosas do Café Royal no Mindelo de outrora, à vida familiar na inóspita Ilha do Sal, vamos viajar pela biografia - ora coladera, ora morna - desta apaixonante mulher e celebrar com ela a cultura singular de um país de músicos, que carinhosamente a trata por "Dona Tututa”.

Realizado por: João Alves da Veiga
Produzido por: Pedro Canavilhas
Filmado por: Leandro Ferrão, Miguel Figueiredo, Pedro Canavilhas
Editado por: Miguel Figueiredo

PRAIA DE BOTE participou marginalmente neste documentário com oferta de um documento do seu arquivo que aqui se reproduz (Diário Popular de 25 de Abril de 1952) e duas fotos do velho Café Royal (uma das quais também se publica). Contributo modesto mas sentido, em homenagem à grande diva do piano mindelense.


Foto Joaquim Saial - Antigo Café Royal. À porta, o último dono, Sr. Tchuna, já falecido

[0296] Memorando...

Para que conste, aqui vai, directamente da PRAIA DE BOTE e do Parlamento português, para os curiosos, para os distraídos, para os que não querem ver e, já agora, para os ignorantes.

A figura é importante, ao nível das melhores de Cabo Verde (que são muitas), todas elas merecendo tratamento igual.


ADRIANO DUARTE SILVA

Data de nascimento
12.Janeiro.1898
Localidade
S. Vicente / Cabo Verde.
Data da morte
1961
Habilitações literárias
Licenciatura em Direito.
Profissão
- Professor do ensino secundário
- Conservador do Registo Predial
Carreira profissional
Conservador do Registo Predial em Barlavento e Moçâmedes.

Carreira político-administrativa
Presidente da Comissão da União Nacional de Cabo Verde.

Carreira parlamentar
Legislaturas
Círculo
Comissões
IV
Cabo Verde
Colónias.
V
Cabo Verde
Colónias.
VI
Cabo Verde
Ultramar.
VII
Cabo Verde
Ultramar.

Intervenções parlamentares 

IV Legislatura (1945-1949)
1.ª Sessão Legislativa (1945-1946)
- Fala sobre assuntos que interessam à colónia de Cabo Verde e aos seus naturais.
- Refere-se ao que se passa em Cabo Verde com os concursos para segundos e terceiros verificadores aduaneiros.
- Entra no debate acerca da proposta de lei relativa a alterações à Carta Orgânica do Império Colonial Português.
2.ª Sessão Legislativa (1946-1947)
- Refere-se a um parecer do Conselho do Império Colonial, inserto no Diário das Sessões, relativo a subvenções coloniais a funcionários.
- Refere-se de novo, quanto a subvenções, ao caso das diferenças entre funcionários metropolitanos e naturais das colónias.
- Refere-se à questão da crise de Cabo Verde e medidas a tomar para a debelar.
3.ª Sessão Legislativa (1947-1948)
- Não regista intervenções.
4.ª Sessão Legislativa (1948-1949)
- Fala nas dificuldades do transporte de passageiros entre o continente e as ilhas de Cabo Verde.
- Exprime o seu sentimento pelo grande desastre sucedido em Cabo Verde com o desabamento de um muro, que causou muitas vítimas.
- Refere-se à necessidade de apetrechar o Porto Grande de S. Vicente e de resolver a questão administrativa.
- Refere-se, com palavras do elogio, à contribuição das nossas colónias com a quantia do 16:000 contos para acudir à crise de Cabo Verde.

V Legislatura (1949-1953)
1.ª Sessão Legislativa (1949-1950)
- Lamenta as vítimas que houve num naufrágio ocorrido nas águas de Cabo Verde, como o emprego ainda de veleiros no transporte de ilha para ilha, expondo o que acontece nesse arquipélago acerca de comunicações.
2.ª Sessão Legislativa (1950-1951)
- Refere-se à supressão no funcionalismo do ultramar da subvenção colonial e as pensões de aposentação dos funcionários coloniais.
- Refere-se à necessidade de se apetrechar o porto grande de S. Vicente.
- Discute na generalidade a proposta de lei de revisão da Constituição e do Acto Colonial.
3.ª Sessão Legislativa (1951-1952)
- Fala sobre o apetrechamento do porto Grande de S. Vicente é as comunicações marítimas entre as diversas ilhas.
- Esclarece a sua intervenção acerca da situação do porto Grande.
- Refere-se à expressão «indígena» referida a uma unidade militar de Cabo Verde, que, perante a actual legislação, deve ser banida quanto à população daquela província.
- Refere-se ao Decreto-Lei n.º 38.704, sobre o aproveitamento reprodutivo da sobrevalorização de alguns produtos ultramarinos.
4.ª Sessão Legislativa (1952-1953)
- Discute na generalidade a proposta de lei relativa ao Plano de Fomento.
- Requer, pelo Ministério do Ultramar, informações respeitantes a serviçais contratados, em Cabo Verde para S. Tomé e Príncipe.
- Discute na generalidade a proposta da Lei Orgânica do Ultramar.
- Agradece o interesse da Assembleia Nacional pelas considerações que fez acerca da mesma proposta de lei.

VI Legislatura (1953-1957)
1.ª Sessão Legislativa (1953-1954)
Refere-se ao problema da erosão e arborização de Cabo Verde e à aplicação de novas disposições sobre funcionalismo ultramarino.
- Congratula-se pela concordância do pensamento do Governo da província de Cabo Verde com o seu, acerca do desenvolvimento da arborização e defesa do solo.
- Pede a protecção para as pozolanas de Cabo Verde.
2.ª Sessão Legislativa (1954-1955)
- Faz considerações acerca da isenção de direitos de importação das pozolanas do Cabo Verde nas outras províncias ultramarinas e de problemas relacionados com a exportação da banana de Cabo Verde.
- Refere-se à próxima visita do Chefe do Estado às províncias ultramarinas da Guiné e Gabo Verde.
3.ª Sessão Legislativa (1955-1956)
- Congratula-se com a adjudicação das obras do porto grande de S. Vicente.
- Agradece a manifestação de pesar da Assembleia pelo falecimento de sua mãe.
- Discute a Conta Geral do Estado, as contas da Junta do Crédito Público e as contas das províncias ultramarinas relativas ao ano de 1954.
4.ª Sessão Legislativa (1956-1957)
- Agradece ao Governo os subsídios atribuídos ao Aeroclube de Cabo Verde, Rádio Clube de Cabo Verde e ao Rádio Barlavento.
- Refere-se ao problema das estradas em Cabo Verde.

VII Legislatura (1957-1961)
1.ª Sessão Legislativa (1957-1958)
- Discute na generalidade a proposta de lei relativa ao II Plano de Fomento.
2.ª Sessão Legislativa (1958-1959)
- Pede aos Srs. Ministros das Obras Públicas e do Ultramar que sejam cumpridos os despachos que recomendam o emprego da pozolana de Cabo Verde nas obras do porto do Lobito.
- Discute na generalidade a proposta e os projectos de lei de alteração à Constituição Política.
3.ª Sessão Legislativa (1959-1960)
- Faz referência à situação de crise em que Cabo Verde se encontra mercê da falta de chuvas.
- Comenta uma notícia de jornal segundo a qual se teria formado em Dacar um movimento denominado «Frente de Libertação das Ilhas de Cabo Verde».
4.ª Sessão Legislativa (1960-1961)
- Refere-se à campanha anti-colonialista.

[0295] Resultado do CONCURSO 13




Concurso 13 sem vencedores! Tratava-se da medalha comemorativa da inauguração do cais acostável de Porto Novo, aqui em frente da Praia de Bote, depois do cais acostável do Porto Grande e do Djéu.

A ajuda estava mesmo a pedir resposta, mas os respondentes não apareceram, excepto o Valdemar, único herói que arrostou com as dificuldades. Chegou perto  e assim ganha uma folha de alho francês (como sabemos, ele odeia acácias...) como prémio de consolação.

Ora vejamos:

Mete água mas não é barco: há agua à volta dos cais que de facto não são barcos,
Tem cabos e paz e sossego temporários: os cabos (cordas) dos navios e nos cais há paz e sossego temporários, quando não há barcos a atracar ou a desatracar ou a carregar ou a descarregar. Coisa temporária, realmente.
A seguir regressa o perigo: depois de desatracar, ao reiniciar o seu percurso, o barco regressa ao perigo do mar.
Nem é preto nem é branco: em geral é cinzento, em cimento armado.
De noite vazio, de dia cheio (embora  nem sempre): de noite, quase não há gente nos cais, ao contrário do dia, quando há movimento. Se não há movimento, também de dia há pouca gente nos cais.
Coisa de abrigo... coisa de carga... coisa nova...: ABRIGO, os cais servem de abrigo aos navios; CARGA, a carga que lá chega; NOVA, de Porto Novo, inaugurado em 1962 por Adriano Moreira, então ministro do Ultramar.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

[0294] O "Monte Washington", no texto jornalístico mais antigo que conhecemos sobre essa designação

In "Hyannis Patriot" (EUA) de 15 de Janeiro de 1917
Para registo, aqui fica a mais antiga alusão ao Monte Washington que conhecemos, publicada em jornal. Temos outras mais remotas, em postais ilustrados e livros, que oportunamente serão divulgadas noutro local. Depois, foi o Monte  Cara... mas também outro rapaz famoso deu nome ao monte mais famoso de São Vicente e de Cabo Verde... A coisa está a ser escrita. Não desanime o leitor, após ter lido este aperitivo.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

[0293] Trabalho e mantimentos, polémica cabo-verdiana em 1948



Crónica de Outubro.2012
 
CRISE DE TRABALHO E MANTIMENTOS EM CABO VERDE: UMA POLÉMICA EM 1948

Nos finais dos anos 40, Cabo Verde tinha 180.000 habitantes, a fazermos fé no número divulgado pelo Diário Popular de 23 de Janeiro de 1948. Substancial parte dessa população debatia-se então com séria crise de trabalho e grande aumento do custo de vida, devidos a três anos sucessivos de seca – drama que, na Assembleia Nacional lisboeta, o deputado pelas ilhas, Dr. Adriano Duarte Silva, fazia cruamente saber aos seus confrades. Mas ao mesmo tempo o tribuno afiançava que a crise não era devida à falta de mantimentos, pois, segundo ele, os Governos local e nacional tinham sabido orientar as «correntes comerciais no sentido de se abastecer convenientemente o arquipélago». Nesse aspecto, afirmava, fora determinante a acção do governador João de Figueiredo (que exerceu entre 1943-49), o qual «teve de lutar com o egoísmo de uma minoria de intermediários traficantes, que costumavam enriquecer quando morriam aos milhares os seus compatriotas.» Afirmação grave, que não personaliza, mas que amplia ao dizer que o governador «teve de assegurar o aprovisionamento e por isso adoptar as medidas necessárias, demonstrando assim que o interesse comum não [podia] ser lesado pelos interesses particulares monetários dos que exploravam a desgraça dos portugueses de Cabo Verde».

Dr. Adriano Duarte Silva
Digamos portanto que, ao que parece, as instâncias governativas de Lisboa e da Praia se tinham portado mais ou menos bem desta vez mas que era preciso ir mais longe. Urgia arranjar trabalho para o exército de desempregados que deambulava pelas ilhas, à procura de ocupação. É que desemprego e fome andam sempre de mãos dadas e aqui não se fugia à regra. Para Duarte Silva, havia sobretudo falta de poder de compra, devida à crise de trabalho. Por isso, embora agradecendo a ajuda que tinha vindo de Lisboa, considerava ser absolutamente necessário aumentar a mesma. E a notícia concluía com sintomática frase: «Esperemos igualmente que além do Estado se lembrem daqueles infelizes os que enriqueceram à sua custa nas crises anteriores, em especial, e de uma maneira geral todos os portugueses para quem a caridade não é um metal que tine ou um sino que soa».

No dia seguinte, no mesmo jornal, liam-se alguns esclarecimentos de Adriano Duarte Silva que dizia que na Assembleia Nacional afirmara sobretudo que o excesso de mortalidade verificado até ao Outubro anterior, quando viera de Cabo Verde para Lisboa, ficava muito aquém do que se tinha registado em ocasiões semelhantes e que esse facto se devia a ter-se gasto até então a verba de 17.000 contos tirados dos recursos da colónia e provenientes da ajuda metropolitana. Na mesma coluna reproduzia-se uma carta de José Inocêncio da Silva, funcionário dos correios e escritor – curiosamente próximo do regime salazarista – ao director do jornal, sobre o mesmo assunto. Ali, felicitava o periódico por ser «o primeiro jornal do País que se ocupou da situação de Cabo Verde, tão desassombrada e carinhosamente nos seus largos comentários, ressaltando as verdades com todas as letras»…

E a 25, no DP, ainda se insistia no assunto. Respiguemos dali algumas das frases mais significativas, relacionadas com a ajuda concedida anos antes: «Simplesmente, em virtude do mau arranjo das correntes comerciais de importação e distribuição essa ajuda foi anulada, revertendo as vantagens em benefício dos escassos poderosos e egoístas traficantes que enriqueciam com a miséria dos cabo-verdianos. Agora o caso mudou de figura. O auxílio da Metrópole é profícuo porque se modificou patriótica e sadiamente a estrutura habitual (mas errada e nociva em tempo de crise!) do comércio de importação e da distribuição. Esta é a opinião geral e de quem conhece o assunto. É aliás, a conclusão lógica do que se diz: ‘Não há crise de mantimentos’. Não há, é evidente, porque desta vez as autoridades centrais e locais conseguiram vencer o sórdido egoísmo dos especuladores.»

Mas a polémica só se instalaria verdadeiramente, quando a 23 de Fevereiro o jornal publicou uma carta de [Júlio] Smith Benoliel de Carvalho (1899-1982), sócio e gerente da Sociedade Luso-Africana, Lda., com sede em Lisboa e que se dedicava ao grande comércio de importação e exportação da colónia. Escrevia ele que a sua classe fora «tão rude quanto injustamente visada nas colunas do jornal», embora recebesse de braços abertos e aplaudia «entusiástica e gratamente tudo quanto o Governo central [tinha] feito e [prometia] fazer em socorro da colónia.» E fazia ao autor dos artigos do DP três perguntas: 1 – Em que consistiu aquela «patriótica e sadia modificação da estrutura habitual do comércio de importação e distribuição»? 2 – Quais os «intermediários traficantes», os que «exploravam a desgraça», «os beneficiários egoístas das crises», «os escassos poderosos e egoístas traficantes»? 3 – Quais os casos de especulação havidos na colónia? É que, conforme expressava, as modificações feitas até ali em Cabo Verde na estrutura do comércio de importação haviam consistido em determinações locais sempre tendentes a impedir o mesmo comércio de importar mantimentos o qual apenas [pedia] que, pelo menos, o [deixassem] contribuir com essas importações, trazendo assim para a colónia maiores quantidades de géneros alimentícios e aceitando de boa mente tabelamentos, bem como toda a fiscalização que se [entendesse] necessária e dando-se por satisfeito com margens de lucro que [eram] das mais pequenas de todo o território português. Finalizava, perguntando como poderia haver especulação se houvesse abundância de produtos.

Como resposta a esta carta, o jornal revelava a seguir que em Abril do ano anterior, a uma reunião de comerciantes de S. Vicente, apenas haviam faltado a própria Sociedade Luso-Africana, João Benoliel de Carvalho e António Miguel de Carvalho, irmãos do autor da carta e Aguinaldo Vera-Cruz, seu cunhado, facto que merecera o reparo do presidente da Associação Comercial e que aqui reproduzimos quase integralmente, dado o seu interesse histórico: «O que se pretende, a meu ver, como ao de alguns aqui presentes, é acabar com a “Saga” – tratava-se do Serviço de Aquisição de Géneros Alimentícios, criado para defesa da vida dos habitantes de Cabo Verde em 1942 e depois melhorado com geral benefício, explicava o jornal – para surgir uma  outra que julgo mais perniciosa para todos nós, suponho.» E continuava o presidente da AC: «Não nos devemos esquecer de que estivemos durante alguns anos, à mercê da Casa Khan (a Sociedade Luso-Africana, Lda., de que era sócio e poderoso elemento o sr. Heinrich Khan, conforme voltava a esclarecer o jornal, para facilitar a compreensão do texto pelos leitores), a qual só vendia a quem queria e depois de atender quem bem entendesse e, para cúmulo, dava-nos cinco centavos de lucro em quilo de açúcar. Deve tudo isto estar ainda bem presente na mente de todos os presentes… Vê-se, claro, o que se pretende: monopolizar em benefício de alguns a importação de um artigo que só por si mantém uma casa em desafogo, atento o volume do negócio.» Mas também lembrava o presidente que os comerciantes eram culpados da situação, por desentendimentos vários entre si. Se tinha de haver monopólio, antes este fosse da “Saga”. E rematava com uma frase significativa: «Não somos nós os únicos sacrificados… Nós ainda vivemos e alguns muito bem; e lembremo-nos de que na nossa terra muita gente, mesmo muita, não vive, vegeta, quando não morre de fome por falta de trabalho em que possa angariar um mínimo para viver.»

Numa era de enormes dificuldades para Cabo Verde, como foi parte substancial dos anos 40, é nítido que, para além da insignificante assistência estatal, sempre parca ou atrasada, havia internamente quem, segundo parece, prosperava no comércio local, apesar do ambiente de miséria que grassava nas ilhas. Para o relembrar, aqui ficam estas notas bebidas num bem informado e considerado vespertino lisbonense da altura. E também o sinal de alguma desunião, pois na contra-corrente do sentir dos comerciantes de Barlavento, a Associação Comercial e Agrícola de Sotavento apoiava a carta de Benoliel de Carvalho, da qual tivera conhecimento antecipado… Porém, estes dados históricos não nos impedem de sentirmos admiração pela firma de grande prestígio que foi e ainda é a Sociedade Luso Africana, Lda. Longeva de mais de meio século, recordamos por fim que teve entre os seus gerentes Filinto Jóia Martins, pessoa respeitada em São Vicente, que também foi presidente da Associação Comercial e Agrícola de Barlavento – o que, pelo menos, demonstra posterior pacificação entre as duas entidades mindelenses.

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

[0292] Ainda o CONCURSO 13

O PRAIA DE BOTE não desiste e relança o CONCURSO 13 

PERCEBIDO, Ó SENHORES CONCORRENTES?


Pergunta: a que alude esta medalha?

Ajuda: mete água mas não é barco; tem cabos e paz e sossego temporários -  a seguir, regressa o perigo; nem é preto nem é branco; de noite vazio, de dia cheio (embora nem sempre). Coisa de abrigo... coisa de carga... coisa nova...

sábado, 22 de dezembro de 2012

[0290] Ruy Cinatti - Poema "Memórias de um furriel miliciano expedicionário "

Em final de ano, um poema sobre o tema mais em evidência neste 2012 no PRAIA DE BOTE. De Ruy Cinatti (sob pseudónimo de Júlio César Delgado), poeta, antropólogo e agrónomo português (Londres, 8 de Março de 1915 - Lisboa, 12 de Outubro de 1986).


Memórias de um furriel miliciano expedicionário

Mar afogado nas trevas
Um navio…
Outros partindo.
No cais, um sabor a óleo.

Volto, cabisbaixo,
Triste,
De não ser eu.

Na praceta iluminada encontrei uns camaradas.

Não podia ser ninguém.
Um navio…
Outro chegando,
Sem trazer notícias tuas,
Mãe…

Havia amigos
Dávamos grandes passeios.

O correio é demorado
Para mim,
Em S. Vicente,
Cabo Verde.

in Crónica Cabo-verdiana, 1967

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

[0289] Mais uma colaboração de Zeca Soares

Estas são fotos recentes (finais do ano de 2012) para efeitos de provocação e comparação. No documento em referência há uma foto do Hospital de São Vicente em que se vê apenas o Cemitério, algumas casas no lombo e, possivelmente a escola de Chã de Cemitério. Fiquei impressionado ao ver aquele descampado, pois na minha infância ir ao cemitério era uma autêntica aventura, apesar de existirem o campo de jogos, a Favorita de Manel Matos, o cemitério dos Ingleses, a arborização do Chã de Monte Sossego e um ou outro quintalão e nada mais. Igualmente  também a oficina do Sr. Cunque, estaleiro onde foi construído o iate oferecido ao Dr. Baptista de Sousa. É de se lamentar a forma como o progresso na nossa terra está a CANIBALIZAR o pouco que nos resta do nosso passado. Ninguém é contra o progresso mas acho que é preciso divulgar mais estas ipois magens do passado, talvez elas possam sensibilizar para que se cuide amanhã aquilo que estamos a fazer hoje.

Ao Praia de Bote os meus cumprimentos e votos dum BOM NATAL  E UM ANO NOVO REPLETO DE PROSPERIDADES.

PRAIA DE BOTE agradece reconhecida a colaboração fotográfica fresquinha feita pelo nosso amigo e colaborador Zeca Soares, sempre bem-vinda, de nôs terra Soncente.    







quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

[0288] Há um concurso sem vencedor ali no post 284...

Quem, se habilita ao ramo de acácia do CONCURSO 13? Pelas indicações dadas, a coisa é facílima. Coisa de abrigo... coisa de carga... coisa nova...

Enquanto todo o povo do universo medita sobre o assunto, o PRAIA DE BOTE mostra que já houve um árvore tão grande no Mindelo que merecia honras de postal ilustrado. Ao fundo, as antenas do velho posto rádio-telegráfico de S. Vicente.


domingo, 16 de dezembro de 2012

[0285] A ilha de S. Vicente vista pelo francês duque de Montpensier, no início do século XX

Postal ilustrado - S. Vicente em 1904 (frente)
Nas suas investigações, o PRAIA DE BOTE deparou com um livro muito interessante, intitulado "Ma Première Croisière", escrito pelo jovem duque de Montpensier, e editado em Paris na Thypographie Plon-Nourrit et C.ie, em 1907. Nele, Montpensier, guarda-marinha, relata a viagem que realizou na corveta Nautilus, entre 16 de Outubro de 1903 e 4 de Maio de 1904. E a sua passagem por S. Vicente. É esse excerto que o PB aqui oferece aos seus leitores. Refira-se que o Nautilus partiu de El Ferrol, aportando às Canárias, Cabo Verde, Montevidéu e Buenos Aires; regressou a Montevidéu e dali prosseguiu para a Cidade do Cabo e ilha de Santa Helena, de onde voltou a Ferrol.

Postal ilustrado - S. Vicente em 1904 (verso)
A viagem de El Ferrol a S. Vicente durou cerca de 15 dias (chegou à nossa ilha a 31 de Outubro), prolongados pela paragem nas Canárias.

Reprodução em francês (no texto e grafismo originais), para saborear melhor e porque grande parte do público do PB é versada na língua. De notar que o autor fala do Monte Cara como uma garrafa deitada que parece a "cabeça de Washington"... Temos dados na nossa posse que falam dela como "cabeça ou cara de Napoleão". Só mais tarde se tornou anónima, apenas como "cara" : Muito curiosa, era a possibilidade de obter viagens de borla entre as ilhas.... NÃO ESQUECER O CONCURSO 13, NO POST ANTERIOR...

O Nautilus - Imagem original do livro
Imagem original do livro

sábado, 15 de dezembro de 2012

[0284] CONCURSO 13


Trata-se de uma medalha comemorativa.

Pergunta: a que alude esta medalha?

Ajuda: mete água mas não é barco; tem cabos e paz e sossego temporários a seguir, regressa o perigo; nem é preto nem é branco; de noite vazio, de dia cheio (embora nem sempre).

PRIMEIRAS 24 HORAS DE CONCURSO: SILÊNCIO TOTAL. FALTA DE PÚBLICO OU DIFICULDADE MÁXIMA? COLOCÁMOS MAIS UMAS DICAS NA AJUDA. VEREMOS...

[0283] Sessão "Arte Pública Colonial em Cabo Verde" - Ontem, no Centro InterculturaCidade, em Lisboa, com Joaquim Saial

Foto Joaquim Saial - Jazigo da família Serradas no Cemitério de S. Vicente (esc. Maximiano Alves, 1921)
O Instituto Nacional de Mentirologia, mais uma vez se enganou: ontem, não aconteceu o dilúvio em Lisboa (no entanto, compreensivelmente, a notícia do caos assustou algum pessoal que fugiu da rua como o Diabo foge da cruz). Na Baixa, o Tito Paris brilhou no Coliseu, acompanhado dos amigos Dany Silva, os Paulos (Flores e Gonzo), mais os "cabo-verdianos" Rui Veloso e Vitorino...

E numa ruela escondida de Lisboa, ali a S. Bento, na sede da organização multicultural Centro InterculturaCidade, um pequeno grupo de uma dúzia de pessoas entretinha-se a ver arte pública de Cabo Verde. O orador debitou o seu discurso (feito de longa investigação), o público participou e também puxou pela sua bem-vinda sabedoria (nomeadamente o Tói Firmino e o Djô Martins - obrigado a ambos) e toda a gente (orador incluído) aprendeu mais qualquer coisa sobre o assunto que a levara ao local. Missão cumprida, portanto, tal como o foi a da saborosa cachupa (comida) e da "sabe" música do Paló (ouvida).

Em Janeiro e Fevereiro, ao que parece, estão previstas reprises, em locais distintos de Lisboa. Sempre com Cabo Verde a brilhar...

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

[0282] Em dia de temporal, um naufrágio...

Hoje que o administrador do PRAIA DE BOTE vai falar em Lisboa de ARTE PÚBLICA COLONIAL EM CABO VERDE (ver post 0281) e que o dia está de temporal em todo o país, com alertas do pior e centenas de bombeiros em serviço extraordinário, parece que para espantar a desgraça o melhor é mesmo colocar uma imagem de navio naufragado. Trata-se do "Vauban" que sossobrou nas águas de Cabo Verde, em 1907. Uma memória esquecida, em postal ilustrado com dados informativos do veleiro escritos pelo possuidor anónimo.



segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

[0281] Sexta-feira, dia 14, em Lisboa, Joaquim Saial fala de ARTE PÚBLICA COLONIAL EM CABO VERDE


Programa:
19h30 - Palestra "Arte Pública colonial em Cabo Verde", por Joaquim Saial
20h45 - Jantar Tradicional de Cabo Verde
Entrada: Torresmos
No prato: Cachupa
No copo: Vinho tinto/branco, cerveja, sumo de manga, água e café
Sobremesa: Bolo de coco
Sujeito a marcação prévia por telefone ou e-mail
22h00 – Música cabo-verdiana ao vivo, com Paló Figueiredo (voz e violão)
Marcações:
Tel.: 21 820 76 57  | marcacao.interculturacidade@gmail.com

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

[0280] Regionalização em debate, por José Fortes Lopes

A REGIONALIZAÇÃO: UMA NOVA OPORTUNIDADE PARA S. VICENTE E CABO VERDE 
Texto da intervenção de José Fortes Lopes na Mesa Redonda sobre a Regionalização que ocorreu em 28 de Novembro de 2012 no Mindelo, organizada pelo Grupo de Dinamização do Debate sobre a Regionalização.


José Fortes Lopes
Caros amigos mindelenses, minhas senhoras e meus senhores,

Começo por saudar todos os presentes nesta sala, amigos e conhecidos, e agradecer os organizadores deste evento, pelo convite, que muito me honra, em participar no debate, mesa redonda ou palestra sobre a Regionalização, não esquecendo de felicitar pessoalmente as pessoas de Camilo Abu-Raia, Júlio César Alves e João Lima, assim como de muitos tantos outros que não enumerei aqui, pelos esforços envidados para a sua realização. Dirijo também particulares saudações a todos aqueles que vêm desenvolvendo um intenso e valioso trabalho de esclarecimento junto da população mindelense, quer através de textos de opinião quer através de programas radiofónicos, em prol da Regionalização, a bem da nossa ilha e de todo Cabo Verde. Louvo, portanto, o empenho deste grupo em levar este debate junto às pessoas e informar, o melhor possível, o público sobre a Regionalização, as suas vantagens, pois na prática é o que mais lhes interessa. Com efeito, perguntarão de certeza, em que é que a Regionalização lhes vai mudar a vida? Esta é precisamente a informação que a classe política cabo-verdiana tem omitido durante muitos anos, deliberadamente ou por desconhecimento. 

Praticamente, comemoramos este mês o 1º aniversário do lançamento desta grande iniciativa, que é o debate sobre a Regionalização em Cabo Verde. A ideia partiu da Diáspora, mas foi essencialmente motivada pelos muitos residentes mindelenses, preocupados com a situação difícil que vem atravessando a nossa ilha e pelos bloqueios sociopolíticos com que ela se vem debatendo há décadas, sem se vislumbrar alternativas. Foi precisamente por não aceitar este estado de coisas que anunciamos, em Dezembro de 2011, a constituição do “Movimento para a Regionalização de Cabo Verde” e a publicação do seu Manifesto amplamente divulgado. Apontámos claramente que a solução para o grave problema do centralismo que afecta principalmente e duramente S. Vicente, mas também todo Cabo Verde, é uma reforma contemplando a Regionalização e a Descentralização Administrativa do país.


Assim, gostaria de louvar mais uma vez a dedicação dos elementos deste grupo Dinamizador para levar à frente o debate, em S. Vicente e em Cabo Verde. Com efeito, sem boa vontade não seria possível a realização deste evento, nem de outros tantos que já foram organizados. Sou portador de uma mensagem de apoio e incentivo de muitos conterrâneos da Diáspora que se revêm na nobreza dos ideais de solidariedade e na busca incessante do aperfeiçoamento da nossa democracia e da nossa organização administrativa. Refiro-me em particular ao núcleo duro do Movimento na Diáspora.


Pois havia uma inquietação crescente relativamente à letargia que se vivia nesta ilha e ao alheamento da sua elite em relação aos problemas reais que ela enfrenta. Em boa hora aparecem grupos de reflexão e se organizam debates sobre diversos problemas da ilha.

Amigos, reafirmo o título da minha intervenção: A Regionalização é uma nova oportunidade para S. Vicente e Cabo Verde. Pois é minha convicção que os problemas socioeconómicos actuais que enfrentam S. Vicente e Cabo Verde, decorrem de políticas concentracionárias e centralizadoras que, para além de gerarem uma má repartição das riquezas nacionais, bloqueiam iniciativas cidadãs e as liberdades individuais e colectivas. Na minha opinião o actual sistema é já um entrave ao progresso do país, às justas aspirações das populações, sendo já potencialmente indutor de contenciosos. A Regionalização é portanto um grande desafio para Cabo Verde. Pode ser o novo paradigma para o país, ao possibilitar a redinamização das economias regionais e locais muito dependentes do poder central. É um dos grandes motes de todos nós que aqui estamos hoje, para olhar o presente, a situação socioeconómica e política de S. Vicente e perspectivar o futuro com esperança. Queremos todos contribuir para pensar o melhor modelo de organização do país, mais democrático, mais aberto, mais tolerante, mais participativo, pondo de lado todas as ideias pré-concebidas que nos poderão transmitir uma visão redutora de como ultrapassar as crises na nossa ilha e no país.


Estou convencido de que Mindelo poderá transformar-se de novo no palco das principais transformações que acontecerão e que irão configurar Cabo Verde nas próximas décadas. Pois foi nesta ilha cosmopolita que no passado ocorreram as famosas revoltas da fome encabeçadas pelos Capitães Ambrósios, que se desenvolveram os primeiros sindicatos cabo-verdianos, incentivados por empresas britânicas sediadas na ilha, que deu à luz o principal movimento intelectual do século XX, liderado pelos Claridosos, movimento que levou à consciencialização da identidade cabo-verdiana. Não obstante aquilo que os seus detractores enunciam, S. Vicente foi sempre uma ilha irreverente que desafiou, à sua maneira e tendo em conta os condicionalismos da época e do meio, o fascismo e o regime salazarista. A ilha não se prostituiu ao fascismo e nunca o fará com nenhuma forma de regime.

Haverá sempre nela grupos de pessoas que se levantarão, sempre que circunstâncias excepcionais ou bloqueios ocorram, para indicar novos rumos ao país. Esta é a particularidade de S. Vicente, muitas vezes incompreendida. Pois, nunca se poderá apagar o facto que foi nela que se desenrolaram os principais acontecimentos que levariam Cabo Verde a conquistar a sua independência, de que todos os cabo-verdianos se vangloriam hoje. Foi nela que surgiram as primeiras contestações ao regime de partido único e que condicionaram em 91 a transição à democracia, de que todos os cabo-verdianos também se vangloriam hoje. A abertura política veio renovar as expectativas, surgindo uma nova oportunidade para a realização do sonho mindelense, uma era promissora de mais liberdade económica e política que catapultaria a ilha ao nível do grande pólo económico, social, político e intelectual de Cabo Verde, acalentou os sonhos da resolução definitiva dos problemas básicos e estruturais crónicos da ilha e do país. A abertura correspondeu todavia a mais uma expectativa gorada, o fim provisório do sonho mindelense. Todavia, podemos ainda nos orgulharmos pelo facto de S. Vicente continuar a protagonizar acontecimentos marcantes para o seu futuro e o de Cabo Verde, como me parece estar a acontecer, estando sempre na vanguarda do país.

A Regionalização será uma transformação inspirada por Mindelenses e proposta a todo o país. S. Vicente continuará, assim, a estar, mau grado os ventos adversos que sopram em seu desfavor, no centro de Cabo Verde. Bravo S. Vicente, bravo mindelenses.


Porque estamos aqui a debater esta questão da Regionalização em S. Vicente? Cabo Verde, e a nossa ilha em particular, como todos sabemos, tem sido vítima de um centralismo crescente, uma situação tanto mais insuportável por se tratar de um país-arquipélago. Hoje é iniludível que Cabo Verde pode vir a ser um exemplo trágico de políticas de centralização excessiva, pois a pobreza está à vista, e nenhum artifício de estatística pode ocultar o risco de um sério agravamento da situação, que no futuro só tenderá a agudizar-se se não se aceitar mudar de rumo.

As assimetrias no país no-lo demonstram com cruel evidência. Numa ilha como S. Vicente em que um terço da população está sem emprego ou subempregada, cresce a inquietação entre os mindelenses face ao futuro da ilha. Na realidade, com um S. Vicente inerte, despojado do seu dinamismo, da sua natureza e identidade, Cabo Verde fica amputado da sua alma e todos perdem. Mas todos os que amam esta ilha rejeitam a sua marginalização, a sua redução ao simples estatuto de ilha-cidade museu, ou de uma Cidade Velha dos tempos modernos, ficando destinada a algumas representações oficiais, ao acolhimento de actividades socioculturais irrelevantes. Acreditamos no futuro desta grande ilha, desta mais bela cidade de Cabo Verde, pelo que nunca aceitaremos que ela seja votada ao abandono, ou ao estatuto de um mero burgo, muito atrás da Assomada como muitos já vaticinam. Pois S. Vicente tem potencialidades para voltar a ser o motor político económico e social de Cabo Verde, desde que haja vontades. Aqui reside a grande esperança, o ideal que sempre moveu e almejou a ilha. Mas para isso é preciso dar-lhe meios e definir um conceito e uma nova vocação compatíveis com este projecto. A Regionalização poderá ser talvez a alavanca para atingir esse objectivo. Por isso acredito que o aparecimento de grupos de reflexão por toda a ilha, poderá ser o prenúncio de uma primavera de mudanças na postura da nossa elite. Pois é preciso debater profundamente a problemática da Regionalização, visto que assistimos a uma tentativa simplista de reduzi-la à sua vertente exclusivamente administrativa, quando ela é essencialmente política, económica e cultural. Alguns detractores da Regionalização plena acenam com frequência, logo que se perspectiva o mínimo debate sobre esta matéria, com o chavão da Unidade Nacional, pelo que propõe uma solução minimalista, uma Regionalização Administrativa. Mas uma proposta desta natureza não é mais do que a repartição do território nacional num conjunto de áreas onde o Estado nomearia directamente os seus representantes, atribuindo-lhes mais ou menos poderes, mais ou menos autonomia, dependendo da boa vontade do governo: voltaríamos ao estádio da 1ª República, com a nomeação de Delegados do Governo. Mas se fosse para isso, não estaríamos aqui, bastava que o governo legislasse sobre esta matéria (e já poderia tê-lo feito há muito tempo) e o assunto estaria resolvido. Uma tal Regionalização seria reversível, volátil, pois bastaria um governo mais centralizador para fazer reverter todos os potenciais ganhos conquistados no processo. Neste cenário teríamos uma regionalização fantoche, esvaziada do seu conteúdo reformista, para manter intacto o poder nocivo da centralização. O maior sonho dos centralizadores realizar-se-ia, atrasariam a Regionalização, empurrá-la-iam com a barriga para as calendas gregas, para no fim esvaziarem o conceito e desacreditar a Regionalização. Amigos, estamos aqui para algo muito mais importante e duradoiro, a Regionalização Plena (Política, Administrativa, Económica e Financeira). Devemos rejeitar, portanto, qualquer proposta de Regionalização que seja uma farsa ou um faz de conta. Queremos a transferência de poderes e competências reais do Poder Central para as ilhas/Regiões, e um estatuto claro e bem definido de autonomia administrativa e económica para as mesmas. É preciso ficar bem claro que esta reforma não equivale ao enfraquecimento do Poder Central, pois áreas críticas da soberania nacional continuariam debaixo da sua alçada. Para além disso, julgo que a Regionalização irá contribuir para a democratização do sistema político, actualmente por demais partidarizado, aquilo que se chama hoje Partidocracia, sistema que incentiva o centralismo, a animosidade política e querelas político-ideológicas de conteúdo nulo. Pretendemos pois um país organizado em moldes mais democráticos, com um sistema político e administrativo mais flexível, moderno e descentralizado.

ilha do Sal

Acredito que a Regionalização e a Descentralização são o futuro para Cabo Verde e uma oportunidade para S. Vicente.Todavia, convém estar-se consciente de que ela não é a panaceia para os males de que sofre Cabo Verde, cujas raízes são profundas. É um caminho para uma solução ou talvez uma válvula de escape à actual compressão social e política provocada pela centralização. Assim, estamos numa encruzilhada de reflexão global sobre os caminhos futuros de Cabo Verde, aquilo a que chamaria um ‘brainstorming’ “Repensar Cabo Verde”. Que Regionalização para Cabo Verde? Como romper com o actual modelo centralizador? Esta é a razão do nosso debate actual.


Diversos modelos de Regionalização vêm funcionando na maior naturalidade, desde há muitas décadas, em vários países do mundo. De resto, a maior parte das democracias ocidentais modernas, cedo foi confrontada com a problemática das questões nacionais, por elas possuírem no seu seio situações diversas de descontinuidades geográficas, territórias, culturais, etc. Estas contradições tinham sido exacerbadas pela tendência natural do “centralismo” da parte dos Estados Centrais, que em geral nunca abdicam, de ânimo leve, das suas prerrogativas centralizadoras. Todavia depois de inúmeros debates e estudos sociopolíticos, implementaram-se no mundo ocidental, após a II Guerra Mundial, diversos modelos de Regionalização. Esta constituiu, na prática, um mecanismo de contrapoderes, como existem vários nessas democracias. A Regionalização foi precisamente concebida nesses estados para funcionar como contrapeso, um antídoto aos excessos da burocracia centralizadora do Estado Central. É o mesmo propósito que nos anima para Cabo Verde. Não estamos portanto a inventar a roda.


Esta receita foi bem conseguida na maioria dos países da Europa ocidental ou do hemisfério norte, nomeadamente a Alemanha, a Suíça, a França, a Itália, a Espanha, os EUA, etc, e mesmo em Portugal com a Madeira e os Açores (Em relação a Portugal, uma nota para aqueles que só aceitam e concebam modelos elaborado e testados neste país, que o próprio Portugal por razões de política europeia, nomeadamente dos fundos europeus regionais, foi forçado a se organizar, sem o oficializar, em diferentes Regiões). A Regionalização não é, portanto, um papão, o fim do Estado central, como alguns afirmam, mas sim uma nova oportunidade para renovar a democracia cabo-verdiana, levando, por um lado, à consolidação de uma democracia plena que aproxima os cidadãos do poder local, e, por outro lado, à melhoria e ao aligeiramentodo funcionamento do Estado.


Existem pois vários modelos de Regionalização implementados no mundo, nos quais Cabo Verde poderá inspirar-se. Todos estão constituídos em governos com parlamento regionais fortes: Governos Autónomos (Espanha), Conselhos Regionais (França), Landers (Alemanha),  Estados (EUA) etc, dotados de poderes muito alargados e até níveis importantes de soberania (as Regiões podem celebrar acordos e parcerias internacionais, desenvolver actividades diplomáticas de âmbito económico e cultural), sendo responsáveis pela elaboração de planos de desenvolvimento regionais e a gestão de várias áreas da economia e da política regional: orçamentos regionais e fundos europeus, finanças, planeamento e desenvolvimento regional; ordenamento e administração territorial regional; sistema de saúde e hospitais públicos regionais, segurança social; ensino básico e secundário, formação profissional; segurança e ordem territorial, equipamentos públicos, Parques Científicos e Tecnológicos, Parques Industriais, Saúde e Hospitais Públicos, questões ambientais e ecológicas de âmbito territorial, Reservas Naturais e Ecológicas, etc. A Regionalização nos países em que ela foi implementada é uma alavanca para uma economia local e regional fortes e uma receita para a redinamização do tecido socioeconómico de regiões depauperadas.

Nesta perspectiva uma Regionalização adequadamente estudada e implementada, não deverá custar, nem mais nem menos, um tostão aos cofres do Estado, pelo que as Regiões poderão ser contribuidores líquidos, podendo arrecadar novos e mais impostos decorrente de novas actividades geradas pela economia regional. Daquilo que precede, deduz-se que a Regionalização é uma reforma deverá ser obrigatoriamente acompanhada de um exercício de racionalização, subentendendo uma reforma do próprio Estado caboverdiano.

Um possível modelo de Regionalização de Cabo Verde seria o da Ilha Região.Todavia uma vez que é inconcebível imaginar S. Vicente independente de Sº Antão e S. Nicolau ou vice-versa, imaginei um 2º nível de Regionalização (a ser implementado depois da Ilha Região) que denominei ASSOCIAÇÔES REGIONAIS, que seriam espaços de associação voluntária entre vária Ilhas-Regiões, cujo propósito exclusivo é criar sinergias e solidariedades entre espaços caracterizados por afinidades históricas, geográficas, culturais, evitando, assim, redundâncias nocivas e custosas para o país. As ASSOCIAÇÕES REGIONAIS incentivariam a Solidariedade e Integração Regional, evitariam a autonomização excessiva das Regiões, através do incentivo à cooperação solidária e sinergética voluntária inter-regional. A sua instauração corresponderia à implementação do segundo nível de Regionalização, a sua segunda etapa.

Neste modelo defini um conjunto de 4 ASSOCIAÇÕES REGIONAIS, partindo do princípio de associações voluntárias e por critérios de proximidade geográfica e cultural, assim como complementaridade económica:

- Supra-Região Barlavento 1 ou ASSOCIAÇÃO REGIONAL 1: S.º Antão S. Vicente e S. Nicolau;
- Supra-Região Barlavento 2 ou ASSOCIAÇÃO REGIONAL 2: Sal e Boavista e Maio?;
- Supra-Região Sotavento 3 ou ASSOCIAÇÃO REGIONAL 3: Santiago e Maio?;
- Supra-Região Sotavento 4 ou ASSOCIAÇÃO REGIONAL 4 : Fogo e Brava.

Acredito pois que é possível e necessário um país organizado em moldes mais democráticos, com um sistema político e administrativo mais flexível, um modelo de governação baseado na Descentralização e na Regionalização plena que subentenda uma plena autonomia política, administrativa e económica para as ilhas. Com esta reforma a Regionalização será uma nova oportunidade para S. Vicente e Cabo Verde. Vamos portanto todos, quer em Cabo Verde quer na Diáspora, socializar a ideia da Regionalização.

Muito obrigado pela vossa atenção,
Mindelo, aos de 28 de Novembro de 2012
José Fortes Lopes