quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

[0189] VIAGEM A SANTO ANTÃO - 23-25.Julho.1999 (08)

A noite decorreu bem, em cama confortável, e a manhã acordou sorridente e soalheira. O dia parece perfeito para a passeata prevista. Dirijo-me à casa de banho ao fundo do corredor e enfrento a primeira grande decepção em Ribeira Grande – e afinal única, como depois verificarei. Não há palavras para descrever o antro, bem equipado mas incrivelmente imundo pela passagem de hóspedes desconhecedores dos mínimos requisitos civilizacionais. Em bicos de pés, num chão alagado, com a toalha num ombro e um sabonete (meu) na mão esquerda, lavo-me com a outra, em malabarismos que nunca pensei praticar. Barba feita e cara lavada, constituem a reduzida ablução matinal. Impossível tomar duche em tais condições…

Saio do hotel e passo de novo pela igreja matriz que agora fotografo. Alguém abre a porta do templo, para a missa da manhã. Entram os poucos fiéis que já estavam por ali e eu também. Olham-me com curiosidade, mas nenhum me interpela. Daí a pouco entram mais pessoas, algumas das quais encontrara no dia anterior. Minutos após, volto à rua, para continuar a minha volta. O Fony deve estar a chegar. Tem coisas para resolver e o nosso passeio está previsto para a parte da tarde mas combinámos encontrar-nos antes para acertarmos pormenores, pois reservei a manhã para ir a pé a Ponta do Sol.


Foto Joaquim Saial - Igreja de N.ª Sr.ª do Rosário, Ribeira Grande

Antes, ainda vou procurar a casa onde nasceu o reputado químico Roberto Duarte Silva (1837-1889), uma das maiores personalidades científicas que as ilhas cabo-verdianas deram ao mundo. Como a terra é pequena, não demoro a encontrá-la. Mais uma vez verifico que para se ser um grande homem não é necessário nascer em rico palácio. A casa, modestíssima e a precisar de pintura, alberga hoje a Mercearia Cipriano Cruz. Registando a memória do notável ribeiragrandense que passou pela China e por Lisboa e em Paris atingiu raras honrarias, subsiste uma placa indicativa por cima da porta da loja. 


Foto Joaquim Saial - Casa natal de Roberto Duarte Silva, Ribeira Grande

Junto a escola primária próxima, encontro o Fony. Estamos a conversar, quando chega uma senhora, a professora primária D. Isabel, que o conhece. Trocamos impressões sobre a Ribeira Grande e o que eu já vira naquele e no dia anterior. Nisto, ela aponta-me para o pedaço de calçada sobre o qual nos encontramos. Custa-me acreditar no que os meus olhos vêem: um escudo português, em pedra branca, remanescente dos tempos coloniais, incrustado no negro vulcânico do pavimento. A D. Isabel descreve ponto por ponto os sinais do símbolo nacional lusitano. Não me admiro, pois é de uma geração próxima da minha, em que nas escolas do Império os miúdos eram obrigados a ter esse e outros conhecimentos. É famosa, pelo seu ridículo, a situação que obrigava alunos dos confins de Angola ou Moçambique, para não falar dos da Índia, Macau e Timor, a saberem todas as linhas de comboio de Portugal continental… São cerca de dez horas. Despeço-me e dirijo-me para o lado do oceano, para bordejar a ilha pela estrada que leva à Ponta do Sol. Aproveito para fazer fotografias, entre as quais venho a encontrar duas das mais interessantes da campanha de Cabo Verde: a primeira retrata a ravina junto à estrada, por onde passa um homem carregado com lenha e a outra duas crianças que observam uma galinha a correr em velocidade acelerada, sem motivo aparente que o justifique (que não coloco aqui, por motivos óbvios, embora já se tenham passado mais de dez anos). No percurso, ainda perto da cidade e junto ao mar, repetem-se as pocilgas, cada uma com um ou dois porcos. A estrada vai subindo, o ar torna-se cada vez mais puro. Montanhas pela esquerda, sol por cima, Atlântico à direita. A paisagem é perfeita.


Foto Joaquim Saial - Estrada Ribeira Grande / Ponta do Sol

Foto Joaquim Saial - Estrada Ribeira Grande / Ponta do Sol (pocilgas)

Foto Joaquim Saial - Estrada Ribeira Grande / Ponta do Sol (pocilgas)

Foto Joaquim Saial - Estrada Ribeira Grande / Ponta do Sol (ao fundo, a últimas casas de Ribeira Grande)
.CONTINUA

domingo, 22 de janeiro de 2012

[0188] CENTRO HISTÓRICO DA CIDADE DO MINDELO ELEVADO A PATRIMÓNIO NACIONAL DE CABO VERDE




Aleluia, aleluia!!! Milagre, milagre!!!
Finalmente foi feita justiça à urbe do Porto Grande e do Monte Cara! O Centro Histórico da cidade do Mindelo é hoje elevado a Património Nacional de Cabo Verde (e consequentemente a Praia de Bote, também!)




19 Janeiro 2012  (in jornal "A Semana")

O centro histórico de Mindelo é agora património nacional de Cabo Verde, anunciou esta quinta-feira, 19, aos vereadores e presidente da Câmara Municipal de São Vicente, o director desta área do Instituto da Investigação e do Património Culturais, Jair Hamilton.

Com esta classificação a cidade do Mindelo passará a usufruir de um plano de preservação legal e valorização do seu património, que tem interesse histórico, arqueológico, artístico, científico e social, a ser elaborado em conjunto pelo Estado, autarquia e munícipes.

O anúncio ao povo mindelense será feito no domingo, 22, dia do município de São Vicente, por Mário Lúcio Sousa, ministro da Cultura, durante a sessão solene em comemoração dos 550 anos de descobrimento da ilha do Porto Grande.

Além de Mindelo, neste ano também serão classificadas como património nacional a zona do Plateau, na capital Praia, a cidade de Nova Sintra, na ilha Brava, e a Baixa de São Filipe, no Fogo. Classificações que resultam do inventário do património nacional feito em 2011 pelo IIPC.

O momento é de enorme alegria e por isso o PRAIA DE BOTE interrompe a viagem a Santo Antão para as devidas comemorações. Como não podia deixar de ser, regozijamo-nos com esta notícia, esperando que o galardão anunciado constitua de facto início de um novo ciclo de prosperidade da ilha de S. Vicente e afaste de vez o conjunto de malfeitorias que lhe têm sido feitas, nomeadamente na área de lesa-património. Sendo possível que S. Vicente tenha tido miraculosa influência na decisão que já tardava, aqui vai (e no dia em que o mesmo se comemora) uma fotografia da veneranda imagem do santo presente na igreja de N.ª Sr.ª da Luz.



sábado, 7 de janeiro de 2012

[0180] Mais dez minutos de sodade num dos melhores filmes sobre o "Dia de Cesária"

[0179] Divertido texto de Zito Azevedo

O ENGATE…

Zito Azevedo
Estava frio em Lisboa, nesse Outono de 1956, enquanto eu e mais uma mão-cheia de amigos aguardávamos ordem de embarque para Luanda, todos futuros Aspirantes do Quadro Administrativo de Angola, todos oriundos de Cabo Verde, principalmente de S. Vicente e da Praia… Lembro, além dos meus fieis companheiros na viagem desde o Porto Grande a bordo do “Ganda” (Dick Ferro e Adriano Lima), do Caldeira Marques, do Serra, do Lúcio e muitos outros pois, ao que recordo, éramos uns dezasseis, ao todo.

Os que tinham chegado antes de nós deram-nos algumas dicas sobre como tratar das coisas no ministério do Ultramar ou seja, não devíamos levar de uma só vez todos os documentos que nos eram exigidos, como declarações, estampilhas fiscais, certificados, etc., mas, apenas, uma parte. O funcionário do ministério dava-nos um raspanete e concedia mais dez dias para entregarmos os documentos em falta. A gente desculpava-se com a nossa ignorância, devida a falhas de informação, e dez dias depois lá íamos com mais alguns papeis… Bem, quando, finalmente, embarcámos em Lisboa para uma viagem de cerca de doze dias que nos havia de levar até S. Paulo de Luanda, tinham já passado trinta dias desde a nossa chegada de Cabo Verde…


Claro que isso deu-nos tempo para calcorrear Lisboa de lés-a-lés, ir à Casa das Fardas comprar calças, calções, camisas, boné, tudo em caqui, verde garrafa, meias altas,  botins castanhos e uma espécie de crachás de metal amarelo com as quinas pintadas a azul, que se fixavam às pontas dos colarinhos e eram o pormenor que nos identificava profissionalmente. Eu, que tinha perdido toda a minha melhor roupinha, num desagradável incidente no Porto da Praia (Santiago), fiz uma peregrinação à Avenida Almirante Reis que era, na altura, a Babel das compras, de onde regressei de calças de feltro cinzento clarinho e um casaco bem quente cor de tijolo. Era o conjunto da moda, como hoje acontece com as calças cinza e os “blazers” azuis.

Nós, os três que tínhamos viajado juntos, víamo-nos todos os dias e era rara a noite que não íamos beber umas cervejitas ao “Bolero”, um bar-dançante, “cabaret” ou como lhe queiram chamar. O “Bolero” ficava (e parece que ainda fica…) ali no começo da Rua da Palma, que sempre teve má fama, vá-se lá saber porquê. Era um sítio acolhedor, o consumo mínimo era uma cerveja que já não me lembro quanto custava, e tinha um conjunto musical com uma pinta especial: era um saxofonista, que também tocava clarinete, um acordeonista e um baterista; eram três, dos quais, dois, eram cegos… Nos intervalos das suas actuações, dava gosto ver o cuidado com que o baterista, o único que via, guiava os seus companheiros para fora do palco, diligentemente os acomodava a uma mesa onde três cervejinhas frescas os aguardavam e onde entabulavam animada conversa. Durante estes intervalos, contudo, o baile continuava, graças às músicas de uma “jukebox” bastante gasta, estrategicamente colocada a meio da maior parede do salão. Há coisas que a gente jamais esquece, por muitos anos que passem e o que se passou quando faltavam cinco dias para embarcarmos para Luanda certa noite, no “Bolero” é disso paradigma.

Dizia-se à boca pequena que o “Bolero” era um lugar de “engate”, que por vezes se viam uns parzinhos saírem sorrateiramente, fazendo os possíveis e os impossíveis para parecerem invisíveis e que umas vezes não regressavam e outras voltavam parecendo  pouco à-vontade. Claro que nós não dávamos grande importância às más-línguas: a nossa intenção era passar umas horas divertidas, dar uns pezinhos de dança, beber umas cervejas, ocasionalmente um “whisky” baptizado, comer uma tapas… Nessa noite, os músicos descansavam e a máquina tocava – tenho a certeza - “No Man Is An’Island” e o Adriano dançava com uma moça cuja cabeça lhe dava pelo ombro,  de corpo bem feito moldado por um vestido de malha cinzento, sapatos pretos e cabelo solto. Dançava bem, a moça, embora coxeasse levemente, com a perna esquerda. Passou-se um  minuto, dois minutos e a cabeça do Adriano emergia acima da turba dançante, lá no fundo da sala quando ouvimos a exclamação disparada pelo vozeirão do nosso companheiro e que nos gelou o sangue: “O QUÊ? QUINHENTOS PAUS?”

Em menos de um fósforo, o Adriano atravessou a sala e saiu porta fora. Ficámos três dias sem o ver!

Zito Azevedo
Queluz, 3 de Janeiro de 2012

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

[0177] "Mindelo e Porto Grande", poema de Valdemar Pereira

Valdemar Pereira
Porto Grande, a bela concha orlada pelo anfiteatro da cidade do Mindelo e montanhas circundantes em que avulta o Monte Cara, sempre foi motivo de inspiração de poetas e músicos da nossa cidade. Lá longe, na diáspora, em terras gaulesas, o nosso colaborador Valdemar Pereira não foge a essa sina (nem quer fugir), talvez com uma garrafa de Bordeaux por perto, comedidamente bebida (como sabe melhor)... à falta de um grogue di terra mais animador em momentos de escrita.

Praia de Bote agradece ao autor e amigo e oferece o petisco aos seus banhistas, em mais um tempo de sodade de nôs Mindelo e de nôs Porto Grande.




Mindelo e Porto Grande

O mar do Porto é belo com seu reflexo azul
sobre a água o fulgor de uma incrível cor anil
onde o ilhéu dos Pássaros, rochedo cinzento,
salta misteriosamente ampliando o momento
onde as almas, sem palavras, com harmonia
se encontram para um deleite dessa sinfonia
do Mar Eterno sem fundo sem fim d'Eugénio
ilustre e perene, já que foi egrégio e génio.

Infinitamente presente, a ventania lancinante
conta os estrofes duma Morna emocionante
com suas palavras de alegria ou melancolia
ou mesmo qualquer outra singular melodia
enquanto apreciamos o divino Monte Cara
e Porto Grande, que já não é o de outrora
com paquetes, veleiros e barcos de carga
onde havia azáfama dia e noite até aurora.

Enquanto seus poetas escreviam os versos
e os pintores criavam painéis mais diversos
o povo tinha seus sucessos e seus reversos
momentos de algum júbilo e muita tristeza.
Havia certamente uma escondida pobreza
mas, no fundo, dissecado, digo de certeza,
embora as alturas de fome e de gravidade
que houve no Mindelo e no Porto Grande
tivemos gente de coragem e de dignidade.

[0176] Nova embaixadora de Cabo Verde em Portugal - Notícia e foto do site da embaixada

A economista Madalena Neves, ex-ministra do Trabalho, Família e Solidariedade Social, é a nova embaixadora de Cabo Verde em Portugal, adiantou o chefe do Governo. José Maria Neves anunciou o nome da nova embaixadora em Lisboa numa entrevista à Televisão Independente de Cabo Verde (Tiver), transmitida na quinta-feira a noite.

Na mesma entrevista Neves garantiu que o Presidente da República, Jorge Carlos Fonseca, deu o seu consentimento para a nomeação de Madalena Neves e que as autoridades portuguesas já concederam o seu aval à nova diplomata cabo-verdiana.

O Chefe do Governo anunciou também que, até finais de janeiro de 2012, serão conhecidos os novos embaixadores de Cabo Verde em Espanha, França e Alemanha.

Formada em Economia na Ex-URSS, Madalena Neves chefiou nos últimos dez anos vários ministérios dos governos de José Maria Neves, tendo estado até março deste ano como ministra do Trabalho, Família e Solidariedade Social.

Cabo Verde estava sem embaixador em Portugal desde o início do ano, quando Arnaldo Andrade, que ocupava o posto, foi eleito deputado, a 06 de fevereiro de 2011, pelo círculo da Europa na lista do Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV).

O PRAIA DE BOTE deseja à novel representante dos interesses de Cabo Verde em Portugal os maiores sucessos, a bem da estimada comunidade cabo-verdiana a residir e a trabalhar neste país.

domingo, 1 de janeiro de 2012

[0175] No início do novo ano

Foto Narciso Silva - Banda Municipal de S. Vicente (clique para ampliar)

Neste dia 1 de Janeiro de 2012, o PRAIA DE BOTE renova-se "na continuidade", com nova folha de rosto e mais espaço para as fotos que numa primeira abordagem já não precisarão de ser ampliadas (excepto se o visitante desejar ver pormenores). Era o mínimo que se podia fazer a quem em menos de um ano nos ofereceu mais de 18 000 cliques...

E, oferta por oferta, aqui vai uma foto que já divulgámos noutras circunstâncias mas que merece carinho especial, nesta data também especial, de abertura do ano. A Banda Municipal de S. Vicente a tocar no mesmo dia de 1964 (tempo de nhô Reis ta dirigile) as Boas Festas ao Patrão-mór da Capitania dos Portos, na Rua de Praia ou Avenida da República, como a artéria verdadeiramente se chama e se pode ver na placa aparafusada na parede do quintalão de Vascónia da antiga Ferro & Companhia, sob anúncio da cerveja angolana Cuca. No fim, uma nota de 20 paus recompensou a atenção da banda para com a autoridade marítima... e bem merecida a nota foi!

Abraço para todos os banhistas da PRAIA DE BOTE e continuação de bom ano.

Djack d'Captania